quinta-feira, novembro 23, 2006

UM PARTIDO CONSERVADOR PARA O BRASIL


Finalmente alguém tocou no cerne da questão. Finalmente alguém botou o dedo na ferida. Em entrevista à Folha de S. Paulo (20/11/2006), o professor inglês Kenneth Maxwell, diretor do programa de estudos brasileiros da Universidade Harvard, disse aquilo que nenhum político brasileiro teve, até hoje, a coragem de dizer. Eis o que afirmou o professor:

O que o Brasil precisaria mesmo era de um partido conservador moderno, que fosse honesto ao defender o liberalismo e que assuma suas crenças. Seria uma grande revolução. Já existe um partido de centro-esquerda, que é o PT. O que faltou na última eleição era: quem é a centro-direita?”.

Kenneth Maxwell está coberto de razão. Mais uma vez, fomos humilhados pela lucidez e racionalidade de um observador estrangeiro. Como de costume, foi preciso um gringo meter o bedelho e nos dizer o que é certo. Marcou um golaço.

Parece incrível, mas não há, no Brasil, um partido conservador. Há partidos de todos os tipos – de esquerda, social-democratas, de centro, comunistas, socialistas, trabalhistas, dinheiristas... –, mas não há, na paisagem, um mísero partido conservador! Isso ficou claro como água na última eleição presidencial. Nela, se enfrentaram, tanto no primeiro como no segundo turno, candidatos identificados com teses “de esquerda” – para usar a palavrinha maldita –, que competiam entre si para saber quem era mais estatista, mais nacionalista, mais adversário da diminuição do Estado e da eficiência administrativa. O candidato governista, representante disso que aí está, manteve-se firme e forte na sua devoção ao Estado-patrão, ao Estado-pai e mãe, enquanto o candidato da oposição, quando instado a fazê-lo, preferiu fugir do debate sobre as privatizações, recusando-se a defender o legado do governo FHC, como se de pecado grave se tratasse. No final, tudo virou uma competição entre quem era mais contrário às privatizações, inclusive – e aí entrou também um elemento paranóico bem nosso – da Amazônia (!?). Em suma, entre quem era mais ou menos “de esquerda”.

A afirmação do professor Maxwell atinge em cheio um dos pontos nevrálgicos de nosso imobilismo, de nossa inércia, de nossa falta de honestidade intelectual, de nosso marasmo e pasmaceira ideológicas. Sua lógica, de tão simples, é implacável. Falta, no Brasil, uma verdadeira alternativa política, de verniz conservador, capaz de se contrapor ao predomínio absoluto da vulgata esquerdizóide que, há décadas, se incrustou em nossos subconscientes como uma berne, como um parasita, e nos impede de sairmos da situação de atraso mental em que nos colocamos. Isso significa uma agremiação corajosa o suficiente para defender, alto e bom som e sem ambigüidades, as idéias conservadoras, vale dizer: a globalização econômica, a liberalização dos mercados, a reforma do Estado, a diminuição de impostos, a democracia representativa, o progresso científico e tecnológico, as liberdades individuais etc. Algo inexistente no cenário político-partidário brasileiro. Algo, aliás, inexistente em toda nossa História.

É claro que uma idéia assim, de tão radical, não poderá ser aplicada sem dificuldades. A primeira delas diz respeito à própria carga pejorativa que a palavra “conservador” tem entre nós. Chamar alguém de conservador, no Brasil, é lançar um anátema, um verdadeiro insulto, uma ofensa gravíssima. Ser “de direita”, então, é um palavrão. Remete imediatamente aos tempos da ARENA e da velha UDN, com suas beatas histéricas de rosário na mão. Ainda vivemos, pensamos, falamos e agimos segundo os moldes mentais pré-queda do Muro de Berlim. Conservador, no Brasil, é ACM. É Jorge Bornhausen.

Confunde-se conservadorismo, uma doutrina política de duzentos anos, que começou com Edmund Burke e outros pensadores, com reacionarismo e fisiologismo, o que é burrice. Os reacionários, todos sabemos, são contra qualquer mudança no status quo. Em termos brasileiros, isso significa ser contra qualquer mudança nas relações entre o Estado e a sociedade. Significa ser a favor do que aí está desde, pelo menos, 1930 (e mesmo antes, desde 1500). Já o ideário conservador, por defender essa mudança, seria uma verdadeira revolução no Brasil. Quanto ao fisiologismo, aí está o governo Lula-PT para mostrar para quem quiser ver que a corrupção não escolhe sigla nem partido. Reacionárias, nessa visão, são as esquerdas, o PT, o PCdoB, que se apegaram ao modelo estatal varguista e acham que abertura econômica é um complô do Pentágono para anexar a América Latina. Estas, sim, são a vanguarda do atraso.

O que é ser “de direita”? Em países como os EUA ou a Alemanha, esta questão está mais ou menos clara: é ser liberal em economia e conservador em assuntos políticos e sociais. Pois bem. Se formos analisar os partidos brasileiros “de direita”, como o PFL ou o PP, perceberemos facilmente que eles podem ser qualquer coisa, menos partidos americanos ou alemães de direita clássica. Os partidos brasileiros, quando não são meros amontoados de interesses particulares – caso, aliás, de sua quase totalidade – têm suas raízes no velho estatismo do regime militar, mostrando-se em geral a favor de quem está no poder, seja quem for. Do PFL, aliás, já se disse que, se um dia houver uma revolução comunista no Brasil, ele terá pelo menos um dos ministérios, ocupado, provavelmente, por ACM. Há, inclusive, um Partido Liberal, mas que é aliado do... governo Lula!. Outro dia li que Delfim Netto, o velho ex-czar da economia durante a ditadura militar, foi convidado para ser ministro no segundo mandato do atual governo petista. Não fiquei surpreso.

Se os direitistas brasileiros, assim como os esquerdistas, são anti-liberais em matéria econômica, os esquerdistas se mostram extremamente conservadores – no mau sentido da palavra, como sinônimo de reacionário mesmo – em assuntos de liberdade pessoal, como aborto, união civil de homossexuais, pesquisas genéticas e outros. Não é de se admirar, pois grande parte da intelligentsia lulo-petista, por exemplo, é formada por padres católicos da Teologia da Libertação, bastante revolucionários quando se trata de condenar o capitalismo e os EUA, mas extremamente tímidos em assuntos como uso da camisinha e celibato. Sem falar no MST, com sua cruzada contra os transgênicos. O PT, nesse sentido, é um partido da ultra-direita republicana norte-americana.

Alguém poderia argumentar que já tivemos um Partido Conservador, na época do Império. Ledo engano. Esse partido só mereceria esse nome se o Brasil fosse a Inglaterra, coisa que está muito longe de ser. Conservadores e liberais, no Brasil do século XIX, eram como petistas e tucanos hoje em dia: se brigavam nas eleições, vinham do mesmo berço, e trocavam de discurso à medida que passavam da oposição ao governo. Não por acaso, ficou famosa a frase de que nada mais parecido com um liberal do que um conservador no poder, e vice-versa. Houve casos de ministros importantes que passaram tranqüilamente de um partido para outro, tal como ocorre hoje em dia, sem nenhum pudor nem arrependimento. Tanto o conservadorismo como o liberalismo atendiam, entre nós, a interesses particulares de grandes oligarcas, significando, na verdade, a manutenção de velhos privilégios patrimonialistas – o contrário do que preconizam as idéias clássicas conservadoras e liberais. Algo semelhante ao que o PT faz hoje em dia, aliando-se a Sarney e a Jader Barbalho.

Não dá para negar que, em comparação com os demais partidos e ideologias políticas, um partido genuinamente conservador teria que rebolar para conquistar um eleitorado fiel no Brasil. Primeiro, porque uma tal proposta iria contra toda a nossa cultura política. Ouso dizer que seria mesmo uma operação de choque, uma verdadeira mutação genética. Está nos nossos genes, no nosso DNA, acreditar que qualquer coisa que não seja a favor do nacional-desenvolvimentismo e contra o “imperialismo” é a encarnação do maligno. Como demonstrou a última eleição, está fortemente arraigada em nossas (in)consciências a idéia de que a “esquerda” é o “bem” e a “direita” – ou seja, tudo o que não se encaixa na primeira categoria – é o “mal”, o cramulhão, o dito-cujo, o coisa-ruim, o rabudo. Desde o berço, somos educados na crença de que o lucro é mal, que é preciso distribuir a renda, não produzi-la, e que o Estado deve dar dinheiro aos pobres. O Brasil é, nesse sentido, uma república soviética.

Segundo, as teses conservadoras teriam dificuldade de se impor entre nós porque falta ao conservadorismo, como doutrina política, o toque teatral, o sex-appeal que torna as esquerdas tão atraentes para os revoltados, frustrados, ingênuos e entediados de todos os tipos. Principalmente para nós, latino-americanos, tão afeitos a políticos demagogos e a caudilhismos populistas. Por ser essencialmente anti-totalitário, falta-lhe o apelo mobilizador. Alguém já viu uma passeata, por exemplo, a favor da responsabilidade fiscal ou da boa administração do dinheiro público?

Por tudo isso, a proposta do professor Kenneth Maxwell corre o risco de já nascer condenada ao fracasso. Mas é inegável que constitui a melhor idéia, talvez a única boa idéia, a surgir no panorama político nacional nos últimos anos. Provavelmente, uma proposta assim tão ousada não vingará. Mas certamente seria uma revolução. Talvez a única revolução possível nessa terra de mensalões e bolsas-família.

sexta-feira, novembro 10, 2006

O FRADE DE FIDEL


Um dos grandes fatos deste ano que está acabando foi a saída momentânea de Fidel Castro do poder, em agosto, pela primeira vez em 47 anos de ditadura eterna. Como não poderia deixar de ser, os aduladores brasileiros do velho tirano e serial killer do Caribe, que os há às pencas, escreveram loas em sua homenagem. Um desses bobocas, Frei Betto, escreveu um texto sobre o assunto, que pode ser lido no endereço http://amaivos.uol.com.br/templates/amaivos/noticia/noticia.asp?cod_noticia=7362&cod_canal=53.

Então, apenas para chatear um pouquinho o padreco - embora saiba que dificilmente ele vá entrar neste blog um dia - resolvi escrever, eu também, um artigo sobre o assunto. Ei-lo aqui, reproduzido:
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Sou fã de Frei Betto. Talvez alguém estranhe essa minha declaração. Afinal, como posso sorrir para alguém que se diz frei e que, ao mesmo tempo, bate-se por uma ditadura que perseguiu religiosos e colocou até a festa de Natal fora da lei por trinta anos? Explico. Só posso admirar quem tem a coragem de romper tão radicalmente com a razão, mandando às favas qualquer lógica em favor de sua paixão esquerdista juvenil. Alguém assim, que não tem vergonha do ridículo, é uma criatura rara. Só pode merecer a minha simpatia.

Na ode que escreveu sobre seu grande ídolo – Fidel Castro –, o piedoso frei deixa claro seu desdém pela racionalidade, sua falta de compromisso com os rigores do pensamento crítico. Logo no início, o dominicano nos brinda com uma pérola de triunfalismo, afirmando que hoje uma parcela da esquerda se sente vexada porque o socialismo faliu, "exceto em Cuba". Ou seja: logo de cara somos apresentados a uma afirmação peremptória, retumbante: todos os regimes comunistas desde 1917 foram um desastre total, um fracasso completo, menos num lugar: Cuba. Ali, seguindo a linha de raciocínio do reverendo, estaria a concretização dos ideais socialistas. O triunfo da igualdade e da fraternidade entre os homens, é o que diz.

Frei Betto toma algumas precauções. Por exemplo, logo após proclamar o êxito de Cuba, ele tem o cuidado de excluir de sua lista de maravilhas modernas países como a Coréia do Norte, por ser um regime totalitário ("ao contrário de Cuba, uma verdadeira democracia", é o que diz nas entrelinhas) e a China, a qual classifica de um regime de capitalismo de Estado (Cuba, com suas jineteras e o monopólio do poder político e econômico nas mãos da curriola de Fidel, não se encaixaria nessa categoria). Não tendo a coragem ou a sinceridade intelectual de chamar pato de pato e cachorro de cachorro, ele prefere usar de filigranas lingüisticas. Desse modo, não precisa encarar o fato incômodo de que a principal diferença entre Cuba e a Coréia do Norte é que esta não tem, entre nós, defensores tão entusiasmados e apaixonados. Por aí se vê.

A partir daí, o texto se torna previsível como final de novela das oito. Estabelecidas as linhas-mestras da argumentação ("Cuba é um sucesso socialista", "é uma democracia" etc), tudo que o autor precisa fazer é repisar velhas platitudes. Assim, uma parte da esquerda menos aferrada a dogmas é criticada por não denunciar o "fracasso do capitalismo" (Frei Betto não especifica onde se deu esse fracasso: na Suécia? Na Dinamarca?) e por abraçar o "neoliberalismo" (sempre ele). Ainda mais – coisa imperdoável para um auto-proclamado devoto católico e socialista –, "sem culpa", cometendo, ainda, o pecado mortal de adorná-lo com o "eufemismo" de "democracia" (aqui, mais uma vez, a associação subliminar: democracia não seria um sistema de liberdades políticas e de economia de mercado, mas de partido único e de dirigismo estatal), que somente agravaria a desigualdade mundial e negaria os direitos humanos (Cuba, nessa percepção, seria um país campeão do respeito aos... direitos humanos!), fazendo, além disso, a idolatria "do dinheiro e das armas". Desnecessário dizer que falar da fortuna pessoal amealhada por Fidel Castro em 47 anos de poder ininterrupto está fora de cogitação. Lembrar os milhões gastos por Fidel em armas oriundas do ex-bloco soviético para manter-se no poder durante décadas então, nem pensar. Por aí se vê.

Após esse festival de chavões ideológicos e de lugares-comuns, que trazem a marca das cartilhas distribuídas nas Comunidades Eclesiais de Base e em acampamentos do MST, nosso frei passa a filosofar sobre o que é ser de esquerda. Em sua opinião, ser de esquerda é "defender o direito dos pobres, ainda que aparentemente eles não tenham razão". Daí porque, "causa arrepio ver quem se diz de esquerda aliar-se à direita". Depois dessa aula de sofisticação intelectual, em que, como se vê, não há lugar para reducionismos e maniqueísmos, fica subentendido que ser de "direita", por contraposição, só pode significar ser a favor de milionários, de ricaços, e que Fidel Castro não deve ser de esquerda, pois tem entre seus amigos brasileiros o companheiro Antônio Carlos Magalhães...

Mas o próprio Frei Betto se adianta a qualquer crítica, ao dizer que Fidel "é um homem de esquerda" (assim como Stálin e Pol Pot). Trata-se de mais uma associação subliminar: se ser de esquerda é ser a favor dos pobres, e se Fidel é de esquerda, então Fidel é um campeão dos pobres, um defensor dos fracos e oprimidos, que fez a revolução para "resgatar a independência do país e libertar o povo da miséria", nas palavras originais do frei. Desse modo, fica desmontada qualquer crítica possível ao super-herói Fidel, e não se precisa encarar o fato de que, se houve algo de que ele libertou o povo cubano, foi da possibilidade de sair da penúria em que o mergulhou e de decidir livremente sobre seu destino.

Daí a fúria divina contra a "elite cubana" (identificada, por Frei Betto, com todo e qualquer cidadão cubano que ouse desmentir a idéia sacrossanta de que Cuba é o reino da igualdade e da prosperidade, ao agarrar-se a um pneu velho para fugir da ilha) e contra os EUA, que enviaram "10 mil mercenários" (sic) para invadir Cuba em 1961. O passo seguinte é repisar outro velho mantra dos defensores de Fidel: o de que "a Revolução, para se defender, não teve alternativa senão aliar-se à União Soviética". Além de inflacionar, deliberadamente ou por distração, os números dos "mercenários" anti-castristas em Playa Girón (na verdade, foram 1.500), o que se busca é isentar Fidel, o herói do povo, de qualquer responsabilidade pela comunização de Cuba. E, como hoje em dia só defende o comunismo quem for ruim da cabeça ou doente do pé, o jeito é botar a culpa no inimigo de sempre: os EUA. Nada a ver com as ambições políticas de Fidel Castro, que resolveu bandear-se para o lado da ex-URSS para ter uma potência nuclear apoiando seu projeto de poder pessoal, cuidadosamente urdido desde os dias de estudante. Por aí se vê.

Feito isso, o próximo passo é cantar as maravilhas das "conquistas sociais" proporcionadas pelo velho caudilho. Há quem cante as belezas naturais de seu país. Há quem cante os encantos femininos. Frei Betto prefere cantar a suposta excelência dos sistemas de saúde e de educação cubanos. Para começar, trombeteia, Cuba é "o único país da América Latina que logrou universalizar a justiça social". É verdade. Afinal, se considerarmos como "justiça social" o direito da imensa maioria de ser igualmente pobre e desesperançada, Cuba é, realmente, um exemplo de igualitarismo. Quanto à saúde, sob Fidel, todos passaram a ter direito a hospitais sucateados, em que falta de agulhas até esparadrapo, enquanto turistas endinheirados podem desfrutar, por uma módica quantia, de serviços exclusivos de qualidade. Quanto à educação, é preciso tirar o chapéu: todas as crianças cubanas passaram a ter o direito universal e gratuito de sofrerem lavagem cerebral em aulas-doutrinação baseadas em cartilhas ideológicas previamente aprovadas pelo regime. Se pensarem, um dia, em lerem ou escreverem algo que não convém ao Estado, serão brindadas com o direito a uma temporada de "reeducação" no Gulag tropical. Tal como na ex-URSS ou em outro éden socialista, onde também não havia analfabetismo nem se podia ler o que se quisesse.

"Seria o paraíso?", pergunta Frei Betto. Sim, para quem vive na miséria em nossos países, responde. Para estes, a "cidadania dos cubanos" é algo invejável. Deve ser mesmo. Afinal, os miseráveis daqui não têm o que comer, mas podem gritar, e não falta quem defenda seus direitos. Já os invejáveis cidadãos de Cuba – exceto, claro, a companheirada que gravita em torno do barbudo – também não têm nada, mas pelo menos contam com os discursos de Fidel para alimentar suas almas famintas. Estranha concepção de cidadania esta, que exclui qualquer direito individual do cidadão... Mais: segundo o frei, para viver na ilha é preciso "ter consciência solidária" e "pensar em si pela ótica dos direitos coletivos". E dispara: "alguém conhece um cubano que deu as costas à Revolução para, em outra parte do mundo, defender os pobres?" Claro que não, ora. Afinal, defender os pobres, no evangelho segundo Frei Betto, significa ser de esquerda, e Fidel é de esquerda, lembram? Logo, dar as costas ao regime e defender os pobres seria, nessa visão, fugir da ditadura para defendê-la no exterior. O que seria, convenhamos, um tipo muito estranho de refugiado político.

Mas tudo isso é para dizer apenas uma coisa: para Frei Betto, o Embaixador não-oficial de Fidel Castro no Brasil, todos os que fugiram de Cuba, votando com os remos, não passam de vermes egoístas que estão se lixando para o "interesse coletivo". Os que permanecem "voluntariamente" na ilha, ao contrário, seguem os passos de Che Guevara, são verdadeiros revolucionários. Segue-se daí que nosso querido frei, assim como os demais aduladores brazucas da ditadura cubana, não é nada revolucionário, pois escolheu viver no inferno brasileiro a curtir a vida indefinidamente no paraíso socialista do Caribe...

Frei Betto gosta de lembrar um outdoor em Havana com o retrato de uma criança sorrindo e a frase: "Esta noite 200 milhões de crianças dormirão nas ruas do mundo. Nenhuma delas é cubana". A partir daí, fuzila, com certeza teológica: "Algum outro país do Continente merece semelhante cartaz à porta de entrada?" A dedução é simples: Fidel, o amigo das crianças, prometeu pão em troca de silêncio, teto em troca de censura. Como no resto do Continente tal troca não existe, logo o sistema cubano é melhor, mesmo que não ofereça hoje em dia nem pão nem liberdade. Até onde eu sei, nenhuma criança norte-coreana ou sueca dorme nas ruas. A diferença é que a Suécia conseguiu isso sem paredón nem presos políticos, ao contrário da Coréia do Norte – e de Cuba. Que tal colocar um outdoor na porta da Embaixada cubana dizendo: "Esta noite 500 milhões de latino-americanos dormirão sabendo que podem escolher livremente seus governantes. Nenhum deles vive em Cuba"?

Nosso frei indaga: para que cobrar democracia na ilha, se o que predomina aqui – corrupção, nepotismo, malversação etc – não é modelo de nada? Justíssimo. Afinal, como todos sabem, o que pessoas como Raúl Rivero e outros defensores dos direitos humanos querem implantar em Cuba não é a democracia, mas a "corrupção, nepotismo, malversação" etc. Como todos sabem, a nomeação por Fidel de seu irmão Raúl para a chefia do Estado cubano não tem nada a ver com nepotismo, claro... Como todos sabem, também, nossa democracia não é nenhum modelo de eficiência, mas aqui se podem denunciar as bandalheiras dos políticos, como, por exemplo, as maracutaias da quadrilha que se instalou no Palácio do Planalto (isso é possível em Cuba?). Mas se Frei Betto crê que o Brasil não é uma democracia, deveria então explicar como seu texto pôde ter sido publicado, enquanto quem falar mal de Fidel em Cuba acabará no xilindró.

Como se não fosse o bastante, Frei Betto ainda nos brinda com o seguinte raciocínio: por que os que defendem democracia para Cuba não exigem, primeiro, que o governo dos EUA deixe de "profanar o Direito Internacional e suspenda o bloqueio e feche seu campo de concentração em Guantánamo?" Em outras palavras: Por que não deixam de chatear e vão cuidar de seus problemas? Outra troca justa. Parte do princípio de que, qualquer passo que se der em Cuba na direção da democratização do regime depende, primeiro, de um gesto compatível por parte da Casa Branca, como se Cuba fosse ainda, ironicamente, uma colônia norte-americana. Da minha parte, estou de pleno acordo com a barganha. Proponho o seguinte: os EUA fecham a base de Guantánamo e Fidel deixa de prender dissidentes políticos. De quebra, os EUA suspendem o "bloqueio" (o correto é embargo, mas isso é outra história) e o Comandante convoca eleições livres, enterra a censura e desiste do poder absoluto. Será que ele topa?

O mesmo no caso dos fuzilamentos. Segundo Frei Betto, para que Cuba aposente de vez o paredón, é preciso, primeiro, que se encerre a pena de morte nos EUA e as execuções sumárias praticadas no Brasil pela polícia. Os que serão fuzilados em Cuba, portanto, devem ser pacientes e esperar, até que os cruéis ianques e meganhas brasileiros deixem de matar... Mas aqui Frei Betto se revela desinformado, pois o que parece incomodá-lo é uma suposta "falta de protestos" contra essas mortes capitalistas, quando qualquer um sabe – a menos que more numa caverna ou na Lua – que a cada morte na cadeira elétrica nos EUA ou de menino de rua no Brasil pipocam protestos de todos os lados. A diferença é que os que protestam aqui e nos EUA não correm o risco de serem presos por isso. Ao contrário do que ocorre numa certa ilha do Caribe...

Nada disso parece preocupar Frei Betto, pois, para ele, o importante é que Cuba tem hoje o maior número de médicos e de bailarinos de balé clássico por habitante na América Latina, chegando ao requinte de exportar essas conquistas! Já falei do sistema de saúde cubano. Quanto aos bailarinos, admitamos, por um momento, que este seja um indicador ideal de justiça social. Nesse caso, teríamos de considerar países como a ex-URSS, a Romênia de Ceaucescu e a Coréia do Norte – onde a população foi colocada, literalmente, para dançar em gigantescas coreografias de louvor ao regime – como exemplos de felicidade terrestre. Não custa lembrar: a antiga Alemanha Oriental (comunista) ganhava quilos de medalhas olímpicas a mais do que a sua rival capitalista. Adivinhem qual das duas tinha o melhor padrão de vida.

O que tira o sono de Frei Betto é que rumo tomará Cuba sem Fidel. Ou, como ele coloca, se o socialismo cubano descerá à tumba com o caixão do Comandante. Difícil dizer. Uma coisa, porém, é certa: Fidel já arrastou a ilha para o buraco há muito tempo. E ainda há quem o aplauda.

Outra frase de Frei Betto merece atenção: segundo ele, 70% da população cubana é composta de jovens que não chegaram a conhecer as glórias da gesta revolucionária, e que não demonstram nenhum anseio pela volta ao capitalismo. Trocando em miúdos: como a maioria dos cubanos nasceu sob as delícias do socialismo, deve estar tremendo de medo com a possibilidade da chegada do lobo feroz neoliberal após a morte do patriarca. Devem todos estar assustadíssimos com a idéia de viver num um país sem censura e sem partido único. A conclusão é lógica: os que fogem da ilha, deixando para trás as maravilhas do regime, só podem ser masoquistas. Para Frei Betto, "Cuba não quer como futuro o presente de tantas nações latino-americanas, onde a opulência convive com o narcotráfico, a miséria, o desemprego e o sucateamento da saúde e da educação". Como se a ilha já não tivesse tudo isso (e sem liberdade).

No final, Frei Betto deseja saúde ao enfermo ditador: "Feliz idade e pronta recuperação, Comandante". Pobre Frei Betto.

LULA É PIOR QUE COLLOR


Em agosto de 2005, no auge dos escândalos de corrupção que atingiram em cheio a atual administração federal, a revista Veja publicou em sua capa uma foto do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, sobre um fundo preto e com seu nome, escrito em letras garrafais em verde e amarelo: "Lulla", com o "l" dobrado. A intenção era associar a imagem de Lula a do ex-Presidente Fernando Collor de Mello, hoje sinônimo de corrupção. Muita gente certamente não gostou. Para muitos petistas e não-petistas, eleitores ou não de Lula, tal associação pareceu forçada e grosseira, para não dizer até mesmo mais um indício da onipresente "conspiração das elites e da mídia" contra o supremo mandatário da Nação. Para outros tantos, fiéis patrulheiros da correção política, pareceu algo simplesmente de mau gosto.

Um ano depois, quando o fedor da onda de denúncias - deflagrada por um personagem vindo das entranhas do Governo, é bom lembrar - parece ter-se dissipado, por única e exclusiva culpa da oposição, que acreditou ter derrubado em alguns meses um mito de três décadas, pode-se dizer, sim, que Veja errou. Não por ser descabida qualquer comparação entre Lula e Collor, mas pelo fato de que a revista igualou os dois. Lula não é igual a Collor. Ouso dizer: é pior.

Vejamos. Collor representava a velha política de sempre, as velhas oligarquias e o velho coronelismo travestido de "moderno". Era, como tal, um produto artificial, criação da grande mídia e principalmente da Rede Globo, ainda assustada com as "bravatas" - segundo o próprio Lula, depois de chegar ao poder - do então sapo barbudo. A "modernidade" do caçador de maracujás, portanto, era de fachada, pura pirotecnia. Além disso, por sua arrogância natural, seu jeito empolado e até mesmo por seu tipo físico, bem diferente do comum dos brasileiros, era fácil não ir com a cara delle.

Já Lula é pior, pois baseia seu inegável carisma em algo bem mais profundo e tenebroso do que uma bela estampa ou um jingle de campanha. Assim como Collor, ele convenceu a muitos que representa o "novo" na política, o lado bom e progressista, embora repita os métodos clientelistas e mandonistas velhos de guerra, tão antigos como o Brasil. Assim como Collor, ele usou e abusou do marketing para manipular o eleitorado e encobrir o próprio vazio de idéias. Mas, ao contrário de Collor, sua demagogia e seu populismo rasteiros estão alicerçados em bases culturais e psicológicas muito mais sólidas e menos superficiais, logo mais difíceis de erradicar.

Ao contrário de Collor, que criou um partido de aluguel para lançar-se às eleições presidenciais, Lula é fundador e dirigente de honra do PT - embora, nos últimos meses, tenha procurado desvincular sua imagem da do partido, como se uma coisa não tivesse nada a ver com a outra. Logo, não é um aventureiro, como o foram Collor e Jânio Quadros, mas um político profissional, figura de proa do auto-intitulado maior partido de esquerda do Hemisfério ocidental. Suas ações ou omissões, diferentemente de Collor, vêm chanceladas por uma visão ideológica articulada durante décadas e profundamente enraizada em vastos setores da população (veja-se, por exemplo, o funcionalismo público, a comunidade universitária e segmentos da Igreja Católica). Assim, se ele decide, de repente, rasgar a bandeira que defendeu durante um quarto de século para abraçar a mesma política econômica que um dia antes esconjurava - como fez em 2002, no maior exemplo de conversão sem confissão nem arrependimento registrado na História -, isso não é visto por muitos como desonestidade, mas como "realismo político". Do mesmo modo, se em 2006 escolhe como aliada uma legenda de aluguel criada por bispos evangélicos da Igreja Universal do Reino de Deus, isso é justificável. Em Lula, os defeitos viram virtudes, os vícios se tornam louváveis. É, portanto, um fenômeno muito mais perverso e sinistro, pois muito mais duradouro e desculpável aos olhos de nossa moral torta.

Era fácil detestar Collor por sua picaretagem explícita, sua origem social, suas gravatas Hermès ou suas fanfarronices. Lula, por sua vez, é admirado pelos mesmos motivos. Collor era criticável por ser uma figura "de fora", um outsider, e assim não nos sentíamos mal criticando-o, pelo contrário: sentíamo-nos vingados. Era, afinal, um farsante, um intruso que logo foi escorraçado da vida política, desmoralizado como corrupto e ridicularizado como o filhinho de papai megalomaníaco e narcisista que sempre foi. Aqueles que votaram sinceramente nele, esperando alguma saída em meio ao caos do final do Governo Sarney, podem dizer que foram enganados, e não precisam sentir nenhuma vergonha por isso.

Lula, ao contrário, será sempre o "líder operário", o "herói da classe trabalhadora", por mais mensalões, Marcos Valérios e Delúbios que apareçam. Não importa o quanto fique comprovado seu envolvimento com a corrupção que tomou conta do Governo - e as evidências são abundantes -, sempre haverá quem saia em sua defesa, como os artistas que justificaram recentemente as falcatruas da quadrilha petista, pois "não se faz política sem sujar as mãos". No caso de Collor, tal apologia da corrupção causaria um escândalo de proporções bíblicas. Mas não no caso de Lula. Quando achincalhávamos Collor, estávamos olhando para alguém com quem não nos identificávamos, e podíamos chamá-lo de ladrão a plenos pulmões, até com alegria. Com Lula, é diferente: sendo ele "do povo", um "autêntico líder popular", um "filho do Brasil" - como diz o título de sua mais conhecida hagiografia -, verdadeiro ídolo das massas e superstar da intelectualidade engajada, é muito mais dificil criticá-lo. Ao fazê-lo, estaríamos criticando não um mero charlatão, um simples histrião oportunista, mas nós mesmos, que alimentamos o mito de que ele seria uma espécie de Messias. Por outro lado, a explicação simplista de que "o poder corrompe" não cola, pois talvez em nenhum outro caso na História, ficou tão claro que o poder, em vez de corromper, revela e desmascara. Mesmo assim, sempre haverá quem encontre alguma finalidade nobre na sua corrupção, algum fim que justifique os meios.

Isso é tão verdade que os índices de popularidade de Lula continuam altos. Sua reeleição é quase certa (*). Lula, se reeleito, deverá sua vitória nas urnas a um programa assistencialista. Com ele, inaugurou-se uma nova era: a do "bom assistencialismo" (o nosso), em oposição ao "mau assistencialismo" (o dos outros). A população está ciente da gravíssima crise moral que assolou as mais altas instâncias da República - seria preciso morar na Lua para imitar o Presidente e dizer que não sabe de nada - mas mesmo assim votará no homem que chefia o Governo mais corrupto da História do Brasil. A conclusão é um duro golpe em nossa auto-estima: em nossa lista de valores, a honestidade não ocupa os primeiros lugares. A barriga vem primeiro. E se o Governo que dá a esmola e rouba o dinheiro público é do Lula e do PT, então está tudo bem. Lula rouba, mas faz.

Nenhum outro político brasileiro desde Getúlio Vargas na época do Estado Novo foi objeto de um culto da personalidade tão forte quanto Lula. Mesmo sem jamais ter ocupado nenhum cargo executivo antes de alcançar a Presidência, qualquer palavra sua adquiria imediatamente, para uma parcela crescente da sociedade, status e força de lei. Não lhe faltou sequer o toque dramático do martírio: filho de migrantes pobres nordestinos, preso no DOPS etc. Quem tem hoje trinta anos ou mais e era criança ou adolescente nos anos 80 cresceu sob a sombra dessa figura barbuda, de língua presa e fala rouca, repleta de erros de português - um atrativo a mais, na visão de muito intelectual stalinista -, sempre vociferando contra o governante de plantão e "a zelite". Quando se eleva alguém assim tão alto, quando se sacrifica dessa maneira a capacidade crítica em favor da glorificação do "líder", é bom desconfiar. De Lula se perdoava tudo, a ponto de ainda se considerar "preconceito elitista" chamar a atenção para um dado básico de sua biografia - sua já notória preguiça intelectual, elevada à categoria de culto da ignorância. Com seu ar de superioridade ética, pairando acima do bem e do mal, misto de Gandhi e Fidel Castro, Lula se tornou um ídolo pop. Em 2003, no auge da histeria lulista, chegou-se a pensar em lançar sua candidatura ao Prêmio Nobel da Paz. Que outro político já virou letra de rock por causa de uma frase sua ("Luiz Inácio falou, Luiz Inácio avisou...")?

Tão longe chegou o culto da personalidade do ex-operário-que-virou-Presidente que já se fala em uma nova ideologia, o lulismo, como substituto do petismo, que afundou até o pescoço no lamaçal ético. O fato de Lula ter passado incólume ao vendaval de 2005 prova a força do mito. Cobriu-se a figura do ex-metalúrgico de uma aura de santidade e pureza que lhe foi dada carta branca para que brincasse com o País do jeito que bem entendesse e não precisasse dar nenhuma satisfação para ninguém, o que traz a marca de um viés nitidamente autoritário. Collor agia como um oligarca provinciano, esbanjando caipirice? Pois Lula comporta-se como um novo-rico, deslumbrado com o poder. Collor foi denunciado por ter colocado dinheiro público na sua residência particular, a Casa da Dinda? Pois Lula permitiu que seu filhinho tungasse 5 milhões do Estado para turbinar sua empresa de fundo de quintal. Fernando Henrique foi execrado por gastar muito em viagens oficiais? Pois Lula multiplicou as viagens, torrou dinheiro num avião novo e, de quebra, ainda deixa os amiguinhos de seus filhos passearem de graça num jatinho da FAB de vez em quando para alguma farra. Collor sofreu impeachment por causa do tráfico de influências que seu tesoureiro, PC Farias, fazia no Governo? Pois Lula não só permitiu todo tipo de maracutaia, como espalhou dinheiro do mensalão pelos corredores do Congresso. A diferença é que Collor foi de antemão condenado pelo tribunal da opinião pública, enquanto que Lula tem essa opinião pública - nós, enfim - na palma da mão, graças aos esforços gramscianos de décadas de doutrinação política pela turma do PT. Lula é uma força muito mais funesta, porque diz muito mais sobre nossos vícios de origem, nosso fisiologismo, nossa dissimulação, nossa malandragem. Ele é a prova de nosso fracasso.

Collor foi um raio num dia de céu claro. Lula é uma tempestade que assola o país há três décadas. Collor durou pouco mais de dois anos. Lula continuará nos assombrando, lépido e fagueiro, por muito tempo ainda. Collor foi uma ilusão. Lula é o Brasil. O pior do Brasil.


(*) O texto foi escrito antes da reeleição.

quarta-feira, novembro 08, 2006

LULA É NOSSO KIM JONG-IL


No mês passado, a Coréia do Norte fez um teste nuclear. Com isso, deixou o mundo em polvorosa, causando medo em escala planetária. O motivo de tanto barulho é a natureza do regime norte-coreano: liderada pelo "Estimado Líder", Kim Jong-Il – uma figura de filme B, com seu cabelo espetado e saltos plataforma, que herdou o poder do pai, o "Grande Líder", Kim Il Sung, e que desde então assusta o mundo com suas bizarrices –, a Coréia do Norte é uma ameaça para a humanidade.

A Coréia do Norte é, ao lado da ilha de Cuba, uma das últimas ditaduras stalinistas do planeta. Lá, não há liberdade. O ditador Kim Jong-Il manda com mão de ferro, à frente do único partido político no poder. A filosofia imperante, uma mistura de marxismo-leninismo e confucionismo, exige do povo obediência cega, servidão total ao Estado. Também não há pão. Estima-se que, nos últimos anos, milhões de pessoas morreram de fome no país, assolado por calamidades naturais e pela incompetência do regime. De vez em quando, este resolve lançar um foguete, como um meio de chantagear os países das redondezas e arrancar deles alguma ajuda em dinheiro ou comida. O governo de Pyongyang é acusado dos mais variados crimes, inclusive narcotráfico e lavagem de dinheiro. No Japão, existe até um Ministério dedicado exclusivamente a investigar o destino de cidadãos japoneses seqüestrados para lavagem cerebral por agentes norte-coreanos. A Coréia do Norte é, em suma, um câncer. É o inferno na terra.

Lula é nosso Kim Jong-Il. Exagero? Sim, se considerarmos o regime democrático brasileiro, que felizmente nada tem a ver com o norte-coreano. Não, se levarmos em conta a dimensão e a intensidade da mitologia criada em torno dos dois líderes. Assim como o ditador norte-coreano, Lula tem atrás de si uma gigantesca máquina político-partidária e ideológica, responsável, durante anos, por forjar sua imagem de "herói da classe trabalhadora" e de "pai dos pobres". Assim como ele, sua figura tornou-se um ícone quase religioso, graças a décadas de culto à personalidade. Na Coréia do Norte, reza a propaganda oficial que, certo dia, o "Estimado Líder", do alto de uma montanha, fez chover sobre uma área que sofria com a seca. No Brasil, a propaganda petista se encarregou de criar uma lenda semelhante. Lula pode até não fazer chover, mas é capaz de convencer a muitos que, desde que chegou ao governo, vai correr leite e mel nas barrancas do Rio São Francisco.

É inegável a origem totalitária do mito lulista. Suas raízes mais remotas podem ser identificadas na política stalinista do "obreirismo", ordenada por Moscou aos partidos comunistas do mundo inteiro na década de 30. De acordo com essa política, os dirigentes partidários deveriam ser pessoas de baixa extração social, oriundas das classes populares, ou seja, "autênticos proletários". Desde então, tornou-se regra medir seu grau de comprometimento com a "causa do povo" pelo critério, extremamente científico, da origem social. O resultado dessa política para a esquerda foi, é claro, desastroso, privando-a de seus elementos mais inteligentes e capazes (sim, eles existiram), em favor de indivíduos escolhidos apenas por andarem sujos, mal vestidos e falarem errado. O ex-militante comunista Leôncio Basbaum assim descreveu a atitude de muitos intelectuais da época em relação a essa política: "Lambiam-se de ver um ‘verdadeiro proletário’, ‘autêntico’, ‘legítimo’, o operário ideal, forte na sua humildade, inteligente na sua ignorância" (Uma Vida Em Seis Tempos, Ed. Alfa-Omega, 1976, p. 76). Qualquer semelhança com os relatos hagiográficos da infância pobre de Lula, que ele brande como uma credencial incontestável para governar o País, é mais que mera coincidência. Junte-se a isso uma boa dose de marketing e alguns traços culturais da sociedade brasileira, como o messianismo e o paternalismo, e eis o mito Lula em toda sua plenitude.

Tal mito tem raízes também no conceito do "bom selvagem", de Montaigne e Rousseau, o qual, acrescido do tempero bolchevique, transformou-se no "bom revolucionário", como escreveu Carlos Rangel num livro infelizmente pouco lido, Do Bom Selvagem ao Bom Revolucionário. Assim como aquele, este é um ser puro e angelical, dotado de um altruísmo e de um desprendimento que o faz até cometer erros, mas que são plenamente justificados em nome da "causa". O "bom revolucionário", assim como os índios, as crianças e os débeis mentais, tem o privilégio da inimputabilidade: para atingir o fim a que se propõe – a redenção social – todos os meios, inclusive a corrupção, aparecem como legítimos e louváveis. O "bom selvagem", aliás, pode até cometer erros, nunca crimes. E não venham dizer que esse mito tem raízes populares. Se o "obreirismo" foi uma invenção do stalinismo, o "bom revolucionário" é fruto do sentimento de culpa das elites instruídas. Lula é nosso "bom revolucionário".

Só quem ignora completamente décadas de mistificação e de empulhação ideológicas por parte da turma da foice e do martelo pode se dar ao luxo de se dizer perplexo com o banditismo lulo-petista. A mentira e a dissimulação eram parte inseparável da estratégia leninista para a tomada do poder. Não sou eu que o digo, mas os próprios comunistas. Para fazer a revolução, dizia Lênin, os revolucionários não deveriam se deter ante qualquer escrúpulo moral: a mentira, a calúnia, o roubo, a chantagem, o assassinato, eram considerados não em termos de proibições morais, vistas como simples "preconceitos burgueses", mas somente por sua utilidade, ou não, para atingir o fim almejado. À semelhança da moral, os comunistas não tinham nem têm com a democracia um compromisso filosófico, mas utilitário e instrumental. Sua defesa da democracia, quando ocorre, não resulta da percepção de que esta constitui, nas palavras de Churchill, o "pior regime possível, excetuando todos os outros", mas somente e na medida em que isso os ajude a alcançar o poder. Para isso, todos os meios – todos – são válidos, pois, como dizia Trotsky, um especialista na ética bolchevique, "moral é tudo que conduza à revolução; imoral é tudo que a impeça". Assim, o que são os R$ 30 mil mensais para os deputados ou o R$ 1,7 milhão do dossiêgate diante do objetivo maior de mudar "este país"? Que importância têm os mensalões, valeriodutos, caixas dois, sanguessugas, dólares na cueca, dossiês, se é para "fazer as coisas que precisam ser feitas"? Em nome da "moral revolucionária", os comunistas produziram 100 milhões de cadáveres. Os lulo-petistas produziram o mensalão.

É isso que torna os desmandos e a corrupção do governo Lula-PT menos graves, até desculpáveis, aos olhos de grande parte da população, do que os desmandos e a corrupção de, por exemplo, Collor ou Maluf. Afinal, ao contrário destes, Lula é "de esquerda", embora provavelmente não saiba o que isso significa. Diferentemente de Collor, Maluf ou ACM, Lula tem atrás de si a CUT, o MST, várias ONGs e até a Igreja Católica. Enfim, um exército devoto de padres de passeata, intelectuais stalinistas, esquerdistas festivos, artistas vendidos, estudantes profissionais e sindicalistas broncos, além de milhões daquela massa amorfa e maleável chamada "simpatizantes". O mesmo motivo que fez tanta gente justificar e até aplaudir os crimes do totalitarismo comunista é o que leva cidadãos aparentemente honestos a fecharem os olhos para as trambicagens dos lulo-petistas.

De tal modo e tão profundamente o catecismo marxista-leninista penetrou nas consciências "bem pensantes" ou, simplesmente, incautas que até mesmo para criticar Lula usamos conceitos extraídos de cartilhas esquerdistas. Mesmo um crítico implacável de Lula e do PT como Arnaldo Jabor, em entrevista a um jornal, disse ser contra Lula, ao mesmo tempo em que elogiou José Serra, porque "este sim, é um autêntico líder de esquerda". Ou seja: até para atacar o lulo-petismo, alguns de seus críticos acabam resvalando para a defesa de uma suposta superioridade moral ou ideológica da esquerda, seguindo os passos de Heloísa Helena. De tal forma está entranhado em nosso inconsciente coletivo a noção maniqueísta de que a "esquerda" é o "bem" e a "direita" é o "mal" que mesmo os que romperam com o lulo-petismo são levados a repetir, sem saber, velhos chavões das esquerdas. Gramsci venceu.

Alguém poderia dizer que eu carrego nas tintas em minha crítica ao lulo-petismo. Que Lula e o PT, afinal de contas, não são nem nunca foram traiçoeiros comunistas comedores de criancinhas ou bebedores do sangue da burguesia. Respondo que o lulo-petismo é herdeiro direto da tradição bolchevique. São os próprios lulo-petistas que o dizem: até o momento em que escrevo estas linhas, o PT não produziu – ao contrário dos ex-partidos comunistas e socialistas europeus – um documento oficial renegando as ilusões marxistas, condenando abertamente as atrocidades dos regimes socialistas e aderindo filosoficamente à democracia representativa e à economia de mercado (a "Carta aos Brasileiros", de 2002, não vale: foi só para ganhar as eleições). Pelo contrário: preferem manter intocado o figurino esquerdista, fingindo que o Muro de Berlim não caiu e insistindo em adjetivar a democracia como "burguesa", "elitista" etc. O resultado é um ensopadinho ideológico, sem sal nem tempero, que não diz exatamente a que veio, mas que não ousa romper com sua fonte radical. Basta ver a origem dos principais cardeais do lulo-petismo: Zé Dirceu, Marco Aurélio Garcia e Dilma Rousseff não começaram suas carreiras num clube de escoteiros, mas em organizações com nomes sugestivos como Movimento de Libertação Popular, Partido Operário Comunista e Vanguarda Armada Revolucionária. Quem muito fuma cachimbo, a boca entorta.

Se há uma ideologia que guia a ação dos lulo-petistas, esta se resume em uma só palavra: o PODER. É esta a sua verdadeira causa, a razão de suas vidas. Em seu nome, assim como os comunistas antes deles, são capazes de esconder por anos suas reais intenções, convertendo-se àquilo que antes condenavam com ardor, sem se confessarem nem se arrependerem do credo anterior (quem não lembra das "bravatas" de Lula, admitidas por ele próprio depois de chegar à presidência?). Falta-lhes legitimidade.

Para disfarçar seus reais propósitos, os comunistas costumavam esconder-se por trás de palavras de ordem aparentemente anódinas, como a defesa da "paz" ou da "democracia". Do mesmo modo, diante da perspectiva do poder, é comum os lulo-petistas se apresentarem com um discurso mais ameno, do tipo "Lulinha paz e amor". Quando são acuados, porém, rapidamente deixam cair a máscara, recuperando a velha ladainha da luta de classes e acusando seus acusadores de estarem a serviço de algum poder oculto. Em seu livro-depoimento à jornalista Denise Paraná, o ex-presidente do PT José Genoíno – antes um parlamentar respeitado, visto como um dos mais "moderados" do partido – assim se defende das denúncias que o pegaram em cheio no ano passado: é tudo coisa das "elites" e da "mídia", inconformadas com o sucesso (?) da administração Lula-PT e interessadas em solapar o "governo que mais fez pelo povo na História deste país" etc. Sobrou até para o pessoal do Pânico na TV... Em nome do "pudê", os lulo-petistas se transfiguram, passando rapidamente do figurino "paz e amor" para o terrorismo eleitoral, repetindo uma tática de que eles próprios já foram vítimas no passado, ou para a megalomania triunfalista. Não importa que o próprio Lula já tenha dito que não é de esquerda. O mito lulo-petista o é, assim como o apego ao poder, que teve em Lênin e Stálin seus maiores expoentes. É inútil tentar classificar o lulo-petismo ideologicamente. A dissimulação, a malandragem, são seus corolários básicos. As ideologias, no Brasil, não passam de uma desculpa para que os políticos se locupletem.

É isso que explica a desfaçatez com que os lulo-petistas descartam as denúncias mais escabrosas contra eles. Não importa o quanto se apresentem provas de seu envolvimento na roubalheira, sempre haverá quem se deixe levar pelo conto de que tudo não passa de um "complô das elites e da mídia" ou coisa parecida. Para Lula, exigir que se apure a origem da dinheirama apreendida com os "aloprados" que tentaram comprar um dossiê fajuto para prejudicar seus adversários é "ter saudades da época da tortura". Querer que os fatos sejam esclarecidos, então, é "golpismo". A retórica lulo-petista é uma eterna apologia do crime, mediante o mais cínico vitimismo ou as mais delirantes e paranóicas teorias conspiratórias. Se Lula for flagrado assaltando uma velhinha na rua à mão armada, haverá quem acredite que foi armação da direita. Ou que ele estava fazendo isso para dar aos pobres.

Assim como os comunistas fizeram no passado, os lulo-petistas se autoproclamaram os representantes do bem sobre a terra, os únicos verdadeiros defensores da probidade ética e da democracia, quando são, na verdade, seus maiores inimigos. Que ninguém se engane: se Lula ainda não enveredou abertamente pelo caminho de um Hugo Chávez ou de Fidel Castro – por quem, aliás, não esconde sua admiração –, é porque as instituições brasileiras não deixam. Felizmente, as coisas são mais democráticas do que as pessoas.

Por exigir a apuração da origem do dinheiro no caso do dossiê, Tarso Genro comparou Geraldo Alckmin ao ex-ditador chileno Augusto Pinochet. Lula, por sua vez, vira e mexe se compara a Tiradentes e a Jesus Cristo. Os lulo-petistas são ruins de comparação. Alckmin não é Pinochet, assim como Lula não é Tiradentes nem Jesus Cristo. Ele é, isto sim, nosso pequeno candidato a ditador, nosso medíocre Stálin caboclo. Um Kim Jong-Il tupiniquim, sem bomba atômica nem salto plataforma. E com muita lábia.

VOTEI NO LULA


Votei no Lula. Lulei. Não troquei o certo pelo duvidoso. Lula-lá. De novo. Com a força do povo.

Mas como? Eu não era um anti-petista roxo, um crítico ferrenho da companheirada? Calma, calma. Respondo, com toda tranqüilidade: votei no Lula justamente por isso. Porque sou anti-lulista. Porque sou anti-PT. Porque não agüento mais ver a cara de pau do Lula e de seus asseclas. Porque estou de saco cheio de todas suas mentiras, desculpas esfarrapadas, embromações, mensalões, dossiês, valeriodutos, delúbios, aloprados e afins. Sou um inimigo assumido do povo, um reacionário, um direitista, um porco neoliberal capitalista, um troglodita fascista, leitor da Veja e agente da CIA. Quero que Lula e os petistas se ferrem. Por isso votei no Lula.

Difícil de entender? O.k., eu explico.

Votei no Lula porque descobri, analisando a trajetória de Lula e do PT, algo que está na cara, mas que quase ninguém viu até agora: que o melhor jeito de desmascarar essa raça é dando-lhes poder. Enfim, porque sou um quinta-coluna declarado. Não, não estou louco. Pensem comigo: se não fossem reeleitos, Lula e o PT iriam ser tentados a voltar ao velho figurino pré-2002, quando então botavam banca adoidado de donos da verdade e da moral, de únicos e legítimos representantes do Bem no sistema solar. Certamente, se fossem derrotados, estariam agora alegando terem sido vítimas de alguma marmelada, de alguma cabala ou conspiração sinistra das forças direitistas e reacionárias "que dominam há 500 anos a política deste país" etc. Estariam choramingando que quatro anos foi pouco para fazer "tudo que é preciso fazer neste país" e teriam, assim, um álibi perfeito. Voltariam a nos atormentar com suas ladainhas e churumelas pseudo-revolucionárias, esbravejando contra o "sistema", os tucanos, "a zelite" etc. Alguém sente falta disso?

Com a reeleição, os lulo-petistas perderam esse álibi. No poder, assim como os esquerdistas em geral, facilmente deixam à mostra o telhado de vidro. Lula não têm mais com quem se comparar e distorcer todo tipo de estatística, como foi useiro e vezeiro em fazer no seu primeiro mandato em relação ao governo FHC. Agora, será obrigado a comparar-se a si mesmo, o que é o mesmo que comparar o ruim com o ruim. Bastaram quatro anos para que o patrimônio ético do PT fosse pelo ralo e para que Lula, de quase-santo que era, virasse para muita gente aquilo que sempre foi: um politiqueiro populista e demagogo vulgar, igual a tantos que por aí há, e que não sabe ou finge não saber de nada que acontece a sua volta. O mito Lula, este ainda persiste, firme e forte, pois é impossível erradicar em quatro anos uma lenda como a que foi criada em torno de sua figura em três décadas, mas é só uma questão de tempo para que Lula vire suco de vez. Estou esperando esse dia com sofreguidão. Aguardem e verão.

Ainda bem que Lula venceu as eleições. Serão mais quatro anos de escândalos, frustações, acobertamentos, banditismo, chicanas, tongas e milongas de todo tipo, cor e sabor. Mais evidências de envolvimento da turma da pesada do Planalto com a roubalheira vão aparecer, mais casos escabrosos de corrupção virão à tona. O governo vai continuar a reivindicar para si as glórias da estabilidade econômica, da qual o PT foi o maior adversário em outros tempos. A política social vai continuar a repousar num programa assistencialista e paternalista. Da parte dos radicalóides que ora apoiam o governo, haverá choro, grito, ranger de dentes. Haverá algumas defecções, é claro, assim como adesões, como as dos neo-companheiros Roseana Sarney, Jader Barbalho e Fernando Collor. O MST e outros "movimentos sociais" vão cobrar a fatura dos últimos quatro anos, pressionando pela mudança da política econômica. Lula vai continuar a gesticular e a fazer discursos vazios e megalomaníacos para a intelectualidade deslumbrada e a patuléia ignara, na base do "sabe" e do "ou seja", e a dizer que, claro, lógico, óbvio, não sabia de nada. Nesse meio tempo, vai-se tentar achar um bode expiatório para as tramóias do lulo-petismo (um novo santo, quem sabe?), e Lula, todo pimpão, vai continuar viajando, churrasqueando e bebendo uísque. Na política externa, o Brasil vai continuar no seu caminho luminoso rumo à liderança dos países emergentes, recusando garbosamente ser humilhado pelos EUA – mas não pela Bolívia. Lulinha vai continuar dando mostras de seu formidável talento empresarial. Paulo Betti e Marilena Chauí continuarão a ser os intelectuais orgânicos do lulo-petismo, e poderão até ser recompensados com algum carguinho comissionado em algum Ministério. No final, tudo será como dantes no quartel de Abrantes, e alguém – com certeza, um chato – vai se lembrar de perguntar, depois que a festa acabar: todo esse barulho, e para quê?

Os lulo-petistas, é claro, não dão a mínima para nada disso. Estão tão fascinados com o "pudê" que não percebem que, a cada voto que Lula ganhou no segundo turno, mais fundo cavaram sua cova, contribuindo para corroer o maior mito político de que se tem notícia na História do Brasil. Se fossem inteligentes (espertos sei que são, mas esperteza não é inteligência, assim como malandragem não é sabedoria), teriam rezado para que o Picolé de Chuchu ganhasse a parada. Com isso, perderiam o poder, mas teriam de volta o pouco que sobrou do lulo-petismo, a utopia esquerdista e messiânica, além da mania de ser palmatória dos males do mundo. Se Alckmin vencesse, seria apenas mais um governinho tucano mixuruca, e eles poderiam voltar a bater com vontade, arrastando atrás de si uma legião de revoltados, frustrados, iludidos ou entediados.

Com Lula no poder, o brilho da legenda áurea lulo-petista não demora a sumir. Por isso, eu antes era contra ele chegar ao governo, mas agora quero que ele fique, até como castigo. É claro que nem ele nem os companheiros que o cercam perceberam a burrada que fizeram. Para eles, não importa que, daqui a quatro anos, Lula vai sair do governo com sua imagem mais arranhada do que hoje, assim como está mais arranhada hoje do que em 2002. O poder não apenas desmascara. Ele também cega.

Claro que essa minha decisão foi irresponsável e impatriótica. Claro que foi algo masoquista, até suicida. Não importa. Na luta contra o lulo-petismo, todas as armas são válidas. Até ajudar Lula a se reeleger. Os lulo-petistas ainda vão afundar o Brasil. Mas, com isso, vão afundar junto, livrando a humanidade e o bom senso de sua incômoda presença. Creio que este é um preço justo a pagar por um pouco de sanidade.

LULA, O NOVO CORONEL DO SERTÃO


Antônio Carlos Magalhães sofreu um duro golpe nessas eleições. Pela primeira vez desde que Pedro Álvares Cabral desembarcou em Porto Seguro, o carlismo não fez o governador da Bahia. Pior: o novo governador eleito, o ex-ministro Jaques Wagner, é do PT, seu adversário histórico no estado. Uma derrota completa e humilhante para o velho Toinho Malvadeza.

Como não poderia deixar de ser, os lulo-petistas, afoitos como só eles, apressaram-se em anunciar aos quatro ventos, com o triunfalismo que os caracteriza, o início de uma radiante e luminosa “nova era”. Nisso, foram seguidos por alguns meios de imprensa, comprometidos ou não com o atual governo – somente a mídia pró-Lula, pelo visto, tem direito a ser parcial –, que trataram de reproduzir, em artigos e editoriais, a visão oficialista ou semi-oficialista que proclamou, com toda pompa, o fim do coronelismo e do caciquismo na região.

Quem não está familiarizado com a política nordestina pode até achar que isso é verdade. Mas é claro que é tudo balela. É claro que é mais uma enganação dos lulo-petistas.

Olhemos um pouco mais de perto o mapa do Brasil. Tirando ACM na Bahia, os oligarcas destronados ou eleitos foram todos apoiados pelo lulo-petismo. O caso mais exemplar é o do Maranhão. Lá, Lula subiu no mesmo palanque da representante do clã Sarney, que foi no entanto derrotada – derrota que foi também de Lula e do PT, portanto. No Pará, estado em que o PT venceu as eleições para governador, a candidata petista só ganhou graças ao apoio decisivo do neo-companheiro Jader Barbalho, o homem da SUDAM (lembram?). Em Alagoas, o senador mais votado, Fernando Collor de Mello (sim, “elle” mesmo!), declarou-se lulista de carteirinha. Em outros estados, como Ceará, Paraíba e Rio Grande do Norte, os candidatos vitoriosos até posam de esquerda, mas sempre foram ligados a grupos tradicionais da política local. O que há, portanto, não é renovação alguma, mas o mesmo de sempre, apenas com novas caras e nomes.

Já virou lugar-comum dizer que Lula ganhou com os votos dos mais pobres, dos “excluídos”. O que não se diz é que foram esses mesmos votos que sustentaram a boa vida dos oligarcas locais, como Jader Barbalho e José Sarney, por décadas. Lula foi eleito com os votos do Brasil rural, oligárquico, atrasado. Do mesmo Brasil que se acostumou a votar, bovinamente, nos candidatos dos coronéis, dos senhores de baraço e cutelo, em troca de dinheiro ou de um prato de comida. Mais: com base na mesma mentalidade, nos mesmos métodos. Os coronéis de outrora se perpetuavam no poder graças à política de favores e de assistencialismo, atrelando o voto à ameaça do corte dos benefícios à sua clientela, que iam desde o acesso a um açude até uma dentadura. Lula e o PT venceram ancorados nos mesmos subterfúgios. Onde ganharam, como na Bahia, substituíram as oligarquias, mas não mudaram o velho jeito de fazer política. Pelo contrário: tratam de reproduzi-lo. Antes, era o cabresto e a cesta básica. Agora, é o Bolsa-Família.

Não deixa de ser irônico contrastar essa realidade com a que deu origem ao mito Lula e ao PT, quase trinta anos atrás. Naquela ocasião, o PT surgiu como o partido da classe operária, dos trabalhadores das cidades. Com o tempo, tornou-se o partido por excelência dos funcionários públicos e de parte da classe média. Enfim, de setores eminentemente urbanos. Era comum ouvir os lulo-petistas dizerem, com o desdém típico de quem se acha superior ao restante da humanidade, que Lula e o PT venciam nos setores mais escolarizados e mais informados, enquanto os demais partidos – a “direita” –, tinham o voto cativo das áreas mais empobrecidas e ignorantes. Com isso, os lulo-petistas, ao mesmo tempo em que davam corda no mito Lula, cobriam-se com a aura de que representavam o “novo”, o “progresso”, contra o atraso secular do interior. O PT não era só o partido dos trabalhadores e dos moralmente superiores; era também o partido da beautiful people, de gente bonita e inteligente.

Com as eleições de 2006, caiu mais essa máscara dos lulo-petistas. As urnas demonstraram que Lula reina absoluto nos grotões, nas regiões mais carentes e atrasadas, enquanto a oposição fatura os grandes centros e as regiões mais desenvolvidas, como o Sul – onde o PT não levou nenhum governo estadual desta vez – e o Sudeste. De partido das classes trabalhadores urbanas e da transformação social, o PT se tornou o partido do assistencialismo e do conservadorismo. Lula, de líder operário e ex-futuro Lênin brasileiro, virou uma versão rural e apequenada de Getúlio Vargas, um novo pai dos pobres, igualmente messiânico, igualmente demagógico e paternalista, cada vez mais enfronhado na velha politicagem de sempre. É triste.

Sou nordestino. Morei na região até meus 27 anos. Logo – e segundo critério insofismável de verdade científica estabelecido por Sua Excelência em pessoa –, tenho alguma autoridade para falar do assunto. Ao contrário de Lula, porém, não me vanglorio de minhas raízes. Sei que o Nordeste é a região-problema do Brasil, uma área que sofre há séculos com a seca, a miséria e a ignorância, agravadas pela persistência de velhas práticas e de maus hábitos políticos. Região historicamente mais antiga do País, é lá que se concentram nossos vícios de origem, como o clientelismo, o familismo, o patrimonalismo, a crença em líderes messiânicos e de discurso oco. Não por acaso, é lá que está, hoje, a maior base eleitoral do lulo-petismo.

Durante a campanha, Lula afirmou que sua identificação com o Nordeste é algo visceral, “que está no sangue”. Nunca uma frase foi tão verdadeira.

Abrindo o Blog

Estou inaugurando o blog. Finalmente!

Depois de uma longa espera e de vários adiamentos, resolvi deixar a preguiça de lado e entrar na era dos blogs. Com isso, espero poder trocar idéias e opiniões sobre alguns de meus temas preferidos - política, História, cultura etc - sem importunar meus colegas de e-groups, que a essa altura já devem estar de saco cheio de meus textos quilométricos que, certamente, devem deixar alguns deles de cabelo em pé.

Você que entra, fique à vontade para postar seus comentários e opiniões. Todos são bem-vindos, não importa a cor, sexo, religião, time para que torce ou ideologia política. Faço apenas uma advertência: se você é um ser humano ingênuo, incauto, impressionável, ou é um "politicamente correto" incorrigível, mais interessado em evitar ferir suscetibilidades do que em ter uma opinião, ou então um robô oco e apatetado, que apenas repete mecanicamente o que ouve dizer na rua, recomendo que visite outro blog. As opiniões aqui emitidas poderão chocá-lo e deixá-lo um pouco desnorteado. Mas se você acha que tem argumentos sólidos capazes de me fazer mudar de opinião, vá em frente! Aqui você não encontrará censura.

Este é um blog para quem não tem medo de pensar - logo, de mudar de idéia sobre qualquer assunto - e de remar contra a maré. Se você se encaixa nesse perfil, fique à vontade, a casa é sua.