quarta-feira, fevereiro 20, 2008

MUNDO BIZARRO


Quando eu era criança, passava na TV um desenho animado do Super-Homem, no qual ele lutava com um seu alter-ego, chamado Bizarro. Bizarro era parecido com o Super-Homem, com a diferença de que fazia tudo ao contrário. Tinha, se não me engano, o "S" invertido no peito, inclusive. Se o Homem de Aço era o arquétipo do bom-moço, Bizarro era sua antítese. Era, digamos assim, um anti-Super-Homem, que usava seus superpoderes a serviço do mal. Bizarro habitava o planeta Bizarro, onde tudo acontecia às avessas do que se passava na Terra: os lixeiros se dedicavam a emporcalhar as ruas, em vez de limpá-las, e os policiais a soltar os criminosos, em vez de prendê-los. As leis existiam para punir as vítimas, e beneficiar os criminosos. Era uma espécie de Terra ao contrário, um espelho invertido. Um caos.
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Esta semana lembrei muito de Bizarro e de seu planeta. Quem me reacendeu essa lembrança proustiana de minha infância foi Lula. O Apedeuta deu mais uma contribuição à sua quase inesgotável lista de frases absurdas, ao dizer numa entrevista que espera que, após a renúncia de El Coma Andante Fidel Castro, os exilados cubanos em Miami não voltem ao pais para "criar uma situação de conflito" (não era bem isso que ele quis dizer, ele pensou um pouco antes de completar a frase). Em outras palavras, nosso Guia Genial formulou votos de que os 2 milhões de exilados desde que Fidel Castro tomou o poder, 49 anos atrás, não retornem a seu país, e que a sucessão em Cuba não resulte no fim da ditadura.

Lembrei-me quase imediatamente do desenho animado. Tal como o personagem Bizarro, Lula tem-se dedicado a defender, no caso de Cuba, tudo aquilo a que sempre disse se opor, e vice-versa. Lula, o líder democrata, o inimigo da ditadura militar, é hoje um dos defensores mais ardorosos de uma das ditaduras mais antigas do planeta. Lula, o ex-preso político no DOPS, o símbolo da luta pela anistia e pelas diretas-já, é um inimigo ferrenho da anistia e das eleições diretas em Cuba. Lula, o maior mito já criado pela imprensa livre brasileira, é um inimigo da liberdade de imprensa na ilha-presídio. Lula, o maior fenômeno das esquerdas brasileiras, surgido no mesmo ano da volta dos exilados brasileiros, é contra a volta dos exilados em Cuba. Lula é o Bizarro da política brasileira. Lula e os esquerdistas. Um bando de Bizarros, revirando latas de lixo e abrindo as portas das cadeias.

Mundo realmente bizarro esse das esquerdas, realmente estranho. Afinal, que esquerdista não uivaria de raiva e indignação ao ver alguém tripudiar dos exilados brasileiros, nos anos 70, dizendo que esperava que estes não voltassem ao país, pois poderiam "criar uma situação de conflito"? Quem, nas hostes de esquerda, não levantaria a voz para berrar contra atitude tão autoritária, de quem não deseja a volta da democracia e procura a todo custo evitar o retorno dos punidos pelo regime, para "evitar revanchismos"? Chico Buarque certamente escreveria uma música denunciando o autor de proposta tão indecente, tão nauseabunda e imoral, defendendo a volta do irmão do Henfil. O Pasquim publicaria páginas e páginas de sátira sobre o assunto, com certeza. E assim por diante.

O Planeta Bizarro dos nossos esquerdistas é Cuba. Tudo que eles sempre condenaram aqui com veemência - a repressão política, a prisão de dissidentes, as violações de direitos humanos, a pobreza generalizada -, lá eles defendem com igual fervor. Pense numa coisa, qualquer coisa, que os lulo-petistas sejam contra no Brasil, e eles serão a favor da mesma coisa em Cuba. Se aqui eles se dizem a favor da liberdade de expressão, e inclusive torram milhões numa TV estatal completamente inútil para, segundo dizem, "defender o direito do povo à informação", lá eles ignoram a falta de imprensa livre. Se aqui eles falam em democracia, lá falam em não deixar os exilados retornarem a seu país. Se aqui eles defendem os direitos dos cidadãos, lá fecham os olhos para a ausência de eleições livres e democráticas. E assim por diante.

O desenho animado me fascinava por causa da idéia de um mundo pelo avesso, de ponta-cabeça (ou de cabeça para baixo, como queiram), em que o claro se torna escuro, o certo se torna errado, o bem vira mal, e assim por diante. Na minha mente infantil, aquilo atraía pelo caráter absurdo, pela impossibilidade lógica. Hoje, percebo que tal realidade invertida não é tão impossível assim. Mundo bizarro, o das esquerdas.

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P.S.: Por falar em Chico Buarque, um dos mais conhecidos amigos e admiradores brasileiros do ditador renunciante, lembrei de uma música muita inspirada que ele compôs nos anos 70. O país era outro, o ditador era outro, mas quem pode dizer que a letra da canção não se ajusta perfeitamente a um certo país e a um certo tirano, para quem tanto ele quanto Lula batem palmas? Será que o Chico topa fazer um show nesse país, bancado pelo Ministério da Cultura de seu amigo Gilberto Gil? Vejam a letra e pensem a respeito:

Apesar De Você

Chico Buarque

Composição: Chico Buarque

(Crescendo) Amanhã vai ser outro día x 3

Hoje você é quem manda
Falou, tá falado
Não tem discussão, não.
A minha gente hoje anda
Falando de lado e olhando pro chão.Viu?
Você que inventou esse Estado
Inventou de inventar
Toda escuridão
Você que inventou o pecado
Esqueceu-se de inventar o perdão.

(Coro) Apesar de você
amanhã há de ser outro dia.
Eu pergunto a você onde vai se esconder
Da enorme euforia?
Como vai proibir
Quando o galo insistir em cantar?
Água nova brotando
E a gente se amando sem parar.

Quando chegar o momento
Esse meu sofrimento
Vou cobrar com juros. Juro!
Todo esse amor reprimido,
Esse grito contido,
Esse samba no escuro.
Você que inventou a tristeza
Ora tenha a finezade “desinventar”.
Você vai pagar, e é dobrado,
Cada lágrima rolada
Nesse meu penar.

(Coro2) Apesar de você
Amanhã há de ser outro dia.
Ainda pago pra ver
O jardim florescer
Qual você não queria.
Você vai se amargar
Vendo o dia raiar
Sem lhe pedir licença.
E eu vou morrer de rir
E esse dia há de vir
antes do que você pensa.
Apesar de você

(Coro3) Apesar de você
Amanhã há de ser outro dia.
Você vai ter que ver
A manhã renascer
E esbanjar poesia.
Como vai se explicar
Vendo o céu clarear, de repente,
Impunemente?
Como vai abafar
Nosso coro a cantar,
Na sua frente.
Apesar de você

(Coro4) Apesar de você
Amanhã há de ser outro dia.
Você vai se dar mal, etc e tal,
La, laiá, la laiá, la laiá…….

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