sexta-feira, maio 22, 2009

Saiba um pouco mais sobre Farouk Hosny, o candidato apoiado pelo Brasil para dirigir a UNESCO...


O que vem a seguir é a tradução, feita por mim, de um texto publicado no Le Monde de 21/05, assinado por três importantes intelectuais (um dos quais, Prêmio Nobel da Paz). Deveria ser lido e relido por todos os diplomatas brasileiros, ou pelo menos por qualquer pessoa que ainda leve a sério coisas como tolerância e liberdade de pensamento. Isso não inclui, obviamente, quem está à frente da diplomacia brasileira hoje. .

UNESCO: A VERGONHA DE UM NAUFRÁGIO ANUNCIADO

Quem declarou, em abril de 2001: “Israel jamais contribuiu para a civilização em qualquer época que seja, pois jamais fez mais do que se apropriar do bem dos outros” – e reiterou dois meses depois: “A cultura israelense é uma cultura inumana; é uma cultura agressiva, racista, pretensiosa, que se baseia em um princípio muito simples: roubar o que não lhe pertence”?

Quem explicou em 1997, e o repetiu depois em todos os tons, que era “o inimigo ferrenho” de toda tentativa de normalização de relações de seu país com Israel? Ou ainda, em 2008, quem respondeu a um deputado do Parlamento egípcio que se alarmava que livros israelenses pudessem ser introduzidos na biblioteca de Alexandria: “Queimemos esses livros; se eu os encontrar, eu mesmo os queimarei na sua frente”?

Quem, em 2001, no jornal Ruz Al-Yusuf, disse que Israel era “ajudado”, nas sombras, pela “infiltração de judeus na mídia internacional” e por sua habilidade diabólica de “espalhar mentiras”? A quem devemos essas declarações insensatas, esse florilégio do ódio, da burrice e do conspiracionismo mais descarado?

INCENDIÁRIO DE CORAÇÕES

A Farouk Hosni, ministro da Cultura egípcio há mais de quinze anos e, sem dúvida, o próximo diretor-geral da UNESCO se nada for feito antes de 30 de maio, data de encerramento das candidaturas, para deter sua marcha irresistível rumo a um dos postos de responsabilidade cultural mais importantes do planeta.

Pior: as frases que acabamos de citar são só algumas – e não as mais nauseabundas – das inumeráveis declarações de mesmo teor que marcam a carreira de Farouk Hosni há uma quinzena de anos, e que, por conseguinte, o precedem quando ele postula um papel cultural federativo na escala do mundo contemporâneo.

A evidência é assim clara: Farouk Hosni não é digno desse papel; Farouk Hosni é o contrário de um homem de paz, de diálogo e de cultura; Farouk Hosni é um homem perigoso, um incendiário de corações e de espíritos; resta muito pouco tempo para evitar que se cometa o erro maior que seria a elevação de Farouk Hosni a esse posto eminente entre todos.

Apelamos assim à comunidade internacional a se poupar da vergonha que seria a designação, já dada por quase certa pelo próprio interessado, de Farouk Hosni ao posto de diretor-geral da UNESCO. Convidamos todos os países amantes da liberdade e da cultura a tomar as iniciativas que se impõem a fim de conjurar essa ameaça e de evitar à UNESCO o naufrágio que constituiria essa nomeação.

Convidamos o próprio presidente egípcio, em lembrança de seu compatriota Naguib Mahfouz, Prêmio Nobel de Literatura, que deve, a essa hora, se revirar em sua tumba, nós o convidamos, pela honra de seu país e da alta civilização da qual ele é herdeiro, a tomar consciência da situação, a desabilitar urgentemente seu ministro e a retirar, em todo caso, sua candidatura. A UNESCO cometeu, certamente, outros erros no passado – mas essa impostura seria tão enorme, tão odiosa, tão incompreensível, seria uma provocação tão manifesta e tão manifestamente contrária aos ideais proclamados da Organização que ela não se ergueria mais. Não há um minuto a perder para impedir que seja cometido o irreparável.

É preciso, sem demora, apelar à consciência de cada um para evitar que a UNESCO caia nas mãos de um homem que, quando ouve a palavra cultura, responde com um auto-de-fé.


Bernard-Henri Lévy, filósofo ;
Claude Lanzmann, cineasta e diretor da revista Les Temps modernes ;
Elie Wiesel, escritor e Prêmio Nobel da Paz em 1986.

terça-feira, maio 19, 2009

WILSON SIMONAL, UM CASO EXEMPLAR DE PERSEGUIÇÃO IDEOLÓGICA NO "SHOW BUSINESS" BRASILEIRO


Está em cartaz um documentário que vale a pena assistir. É Simonal: Ninguém Sabe o Duro que Dei, assinado, entre outros, pelo humorista Claudio Manoel, do Casseta & Planeta. Ainda não vi, mas o tema em si justifica a ida ao cinema. Trata-se de algo, até onde eu sei, inédito na cinematografia brasileira. O que o torna um filme que, a meu ver, deveria ser exibido em todas as escolas e universidades do País.

O documentário narra a trajetória de um dos cantores de maior sucesso no Brasil no final dos anos 60 - época de ouro da Tropicália e dos festivais da Canção -: Wilson Simonal. Mais especificamente, documenta a escalada para o sucesso e a rápida e dolorosa decadência, acompanhada de anos e anos de completo declínio e obscurantismo, de um ídolo da música brasileira do período. Decadência, declínio e obscurantismo que não foram provocados por nenhum demérito artístico ou musical do cantor, mas por fatores políticos, alheios à música.

Simonal é um caso exemplar de artista que, por causa de um erro, explorado até as últimas consequências pelas patrulhas ideológicas esquerdistas, viu sua carreira - e sua vida - transformada em poeira da noite para o dia. Sua débâcle é creditada a um fato ocorrido em 1971, no auge de sua carreira e da ditadura militar, quando Simonal, desconfiado que seu contador, Raphael Viviani, estava lhe roubando, pediu a "ajuda" de dois seguranças amigos seus "para resolver o problema". Ocorre que um dos seguranças a quem recorreu dava expediente no DOPS, a temida polícia política da ditadura militar. Viviani foi sequestrado e espancado. Sua mulher botou a boca no mundo. Para piorar, Simonal tentou se safar apelando para um expediente idiota: perante a imprensa, gabou-se de suas conexões "com os homens", os generais do regime...

Foi seu fim. Desde então, Simonal ficou marcado: era "dedo duro" e "agente da repressão". Nunca mais sua carreira foi a mesma. Os convites para shows escassearam, as gravadoras lhe fecharam as portas, as rádios e a TV o baniram de sua programação. Do dia para a noite, de ídolo das multidões, capaz de reger um coro de 30 mil vozes no Maracanãzinho cantando Meu limão, meu limoeiro, Wilson Simonal tornou-se um pária, um leproso, banido dos rádios e da TV e estigmatizado como vinculado aos órgãos de repressão político-militar do regime de 64. No final da vida, com a carreira já acabada e corroído pelo alcoolismo, Simonal fazia shows em cima de caminhões para dez ou quinze pessoas. Terminou topando fazer comerciais do Supermercado São Cristóvao em Natal (RN), uma sombra do que fora um dia.

Não gosto da música de Simonal e, mesmo se gostasse, não é da minha época. Inclusive, não simpatizo com a figura. Acredito mesmo que o rótulo que recebeu, de arrogante e deslumbrado com a fama, não seja totalmente falso. Se vivesse hoje e tivesse o mesmo sucesso que chegou a alcançar em seu período áureo, é provável que Simonal estivesse tocando em algum grupo de pagode, coberto de jóias, com os cabelos descoloridos e agarrado a alguma loura, siliconada e oxigenada. Também não tenho a pretensão de dizer aqui que ele foi uma espécie de anjo: o erro que cometeu, e que selaria seu destino, só pode ser visto, ainda hoje, como uma canalhice. Mas nada disso diminui o fato de que ele foi, sim, com todos os seus defeitos, vítima de uma das mais insidiosas, desproporcionais e, no fim, injustas campanhas de calúnia e difamação já montadas pela gigantesca máquina de propaganda esquerdista que se instalou no Brasil, sobretudo no terreno artítistico e cultural. Daí porque o filme, que o reabilita, vale a pena ser visto.

Em primeiro lugar, jamais foi provado que, tirando o episódio com o contador, Simonal tivesse qualquer envolvimento com qualquer órgão da repressão. Isso ficou comprovado ao final de sua vida, quando o governo federal reconheceu, oficialmente, que tal alegação era falsa. Mas, àquela altura, isso pouco ou de nada adiantou. O dano à reputação de Simonal já estava feito e era irreversível. Isso porque o pecado de Simonal foi muito além do episódio com o contador. Seu pecado, na verdade, foi não ter rezado pela cartilha da esquerda.

Simonal era um artista que não se incomodava em cantar, cheio de ginga e "pilantragem", País Tropical, de Jorge Benjor (então apenas Jorge Ben), em plena época do ufanismo da ditadura militar. Cantava as glórias das belezas naturais do País e da seleção canarinho na Copa de 70 - com a qual viajou para o México, ao lado de Pelé -, sem dar a menor bola para a pecha, então em voga, de "alienado". Fazia música para divertir, no que era bastante competente, não para "conscientizar" ou "de protesto". Isso, por si só, o colocou na lista negra dos artistas "malditos" pela esquerda, que, com Chico Buarque à frente, passou a monopolizar a cultura "pensante" no Brasil. Era alguém feito sob medida para ser enterrado em vida caso fizesse uma besteira. Quando a fez, a esquerda se banqueteou.

Além do mais, no linchamento a que foi submetido coube também um forte elemento de preconceito racial. Simonal era negro (ou afro-brasileiro, como queiram). Mais que isso, viera da pobreza (era filho de empregada doméstica). Isso o levava a destoar ainda mais do estereótipo cultuado pelas esquerdas. Era negro e nascera pobre, mas não fazia o gênero coitadinho, vítima de preconceito, tão ao gosto do "movimento". Também não erguia nenhuma bandeira de luta, do tipo black power ou a favor de cotas raciais, por exemplo. Pelo contrário: com o dinheiro que conseguiu, fazia questão de ostentar sua riqueza. Roberto Carlos tinha um carrão? Pois Simonal tinha três Mercedes na garagem. E fazia questão que todos soubessem. Como também adorava se exibir com suas namoradas (quase todas, brancas). Às críticas, Simonal respondia, sorrindo: "ninguém sabe o duro que dei" (daí o título do documentário). Um negro que canta músicas alienadas e que gosta de exibir luxo e riqueza? E que ainda por cima transa com brancas? Aí é demais, pensaram os bem-pensantes de nossa esquerda festiva, em geral brancos e bem-nascidos.

O estereótipo do "negro arrogante", deslumbrado com a fama e com tudo que esta e o dinheiro podem trazer - carrões, ostentação, mulheres - caiu em Simonal como uma luva, servindo à perfeição para a máquina de demolir reputações da esquerda. O Pasquim, em particular, com Ziraldo e Jaguar à frente, não lhe deu trégua. Outros nomes da cultura nacional, como Nelson Rodrigues, Gilberto Freyre e José Guilherme Merquior, foram alvos da artilharia esquerdista, mas Simonal foi simplesmente destruído (também, pudera: era um alvo muito mais fácil). A polícia do pensamento esquerdista, que hoje está nos gabinetes oficiais, não se contentou em difamá-lo - ainda há quem pense que ele pessoalmente torturou prisioneiros... -; era preciso mais: era preciso calá-lo para sempre. Era preciso sepultá-lo vivo.

A morte em vida de Wilson Simonal é mais um exemplo didático de como a esquerda brasileira, que na mesma época era censurada pelo regime militar, não hesita em utilizar métodos ditatoriais e stalinistas para se livrar de figuras incômodas. Ao mesmo tempo em que a "direita" - representada pelos militares - punha-os na cadeia, os esquerdistas tupiniquins trataram de impor, praticamente sem serem incomodados, sua ditadura ideológica no terreno da cultura, desde as universidades até o show business. Assim, a música de massas, malgrado seu óbvio apelo comercial, tornou-se, ela também, uma trincheira da "luta contra a ditadura". Criou-se mesmo uma sigla - MPB - para designar esse "movimento" representado pelos Chicos Buarques e Geraldos Vandrés, que, apesar do "popular" no rótulo, era consumida principalmente pelas elites instruídas e pela classe média dourada de Ipanema e de Copacabana. Música, para esse pessoal, só se fosse cabeça, "de protesto", cheia de metáforas e com manual de interpretação. Simonal estava em outra.

Enquanto Simonal era silenciado pela patrulha ideológica esquerdista, o povão não estava nem aí para esses marxistas de galinheiro e revolucionários de opereta. O povão gostava mesmo é de Wilson Simonal, de Waldick Soriano, enfim, de cantores "bregas" e "alienados". Por não ser da turma, Simonal pagou um alto preço. A esquerda, que monopoliza a cultura dita "alta" no Brasil, jamais o perdoou. Não por ter feito uma besteira. Mas por não ser um deles. Nâo podendo cooptá-lo, destruíram-no.

segunda-feira, maio 18, 2009

ELES ESTÃO SE LIXANDO


O egípcio Farouk Hosny é o candidato apoiado pelo Brasil para a direção-geral da UNESCO. A UNESCO é o órgão da ONU encarregado da educação, ciência e cultura. Como tal, espera-se de seu diretor-geral que seja alguém afinado com os ideais do humanismo, da liberdade de expressão e de pensamento. Tal é o entusiasmo do governo brasileiro com a candidatura de Hosny que o Itamaraty deixou de apoiar o nome de um brasileiro, Márcio Barbosa, que cogita lançar-se candidato por um outro país.

Mas quem é o preferido do Brasil para assumir a direção da UNESCO? Farouk Hosny, o candidato apoiado pelo governo Lula e pelo Itamaraty, é o ministro da Cultura do presidente egípcio Hosni Mubarak, no poder há 28 anos. Mubarak, um general da Força Aérea, não dá trégua à oposição, que invariavelmente acaba na cadeia. Hosny é seu ministro desde 1987. Um candidato afinado com os ideais de humanismo e de liberdade de pensamento que deveriam nortear a UNESCO, como se vê.

Mas isso não é o mais grave.

Farouk Hosny, o candidato preferido de Lula e Celso Amorim, é conhecido principalmente por uma declaração, digamos, controversa sobre a literatura judaica. Ele não é muito fã de obras como o Talmude ou o Pentateuco. Tanto que, certa vez, disse o seguinte: "Se eu encontrasse livros em hebraico numa biblioteca egípcia, eu os queimaria".

A frase acima deveria, pelo menos em teoria, desqualificar seu autor como um antissemita hidrófobo e um inimigo da cultura e do humanismo, certo? Não para Lula. Não para o Itamaraty. Em ocasiões como essa, o discurso oficial brasileiro já vem pronto: "Não podemos ter relações apenas com quem concordamos", foi a frase-clichê repetida por Celso Amorim para justificar o voto brasileiro em Hosny. Também se costuma alegar altas razões geopolíticas, como a "aproximação com os países árabes" etc. É verdade. Nenhum país pode dar-se ao luxo de relacionar-se somente com quem está de acordo. As eleições em organismos internacionais obedecem a complexos cálculos geopolíticos e estratégicos. Tudo isso é verdade. Como verdade também é o fato elementar de que não se pode apoiar para a direção da UNESCO um conhecido antissemita e queimador de livros.

Nossos sábios do Itamaraty acreditam que é sempre melhor dialogar com figuras como Hosny do que firmar posição em defesa de coisas como democracia e direitos humanos. Com isso, acreditam que o Brasil, do alto de seu poder, poderia influenciar, de algum modo, governos como o do Irã e da Coreia do Norte. Como se fosse possível influenciar e trazer à razão quem nega o Holocausto e queima livros. A essa atitude auto-proclamada pragmática chamam de smart power. Recentemente, tivemos uma amostra bastante didática desse smart power, com o convite feito por Lula e Celso Amorim para que o antissemita e negador do Holocausto Mahmoud Ahmadinejad visitasse o Brasil. Na última hora, e sem avisar o Itamaraty, Ahmadinejad cancelou a visita. Esnobado, o Itamaraty teve como único resultado concreto uma chuva de críticas de todos os lados pelo convite ao sucessor de Hitler. Isso é smart power...

Pensando bem, não deveria causar surpresa o apoio do Brasil a tipos como Farouk Hosny. Defender a candidatura à direção da UNESCO de um queimador de livros é mesmo a atitude mais coerente de um governo que se nega a condenar o genocídio de 300 mil pessoas pelo governo do Sudão e que recusa a Israel o direito de se defender, além de ver "democracia até de mais" em países como Cuba e a Venezuela. Pensando bem, é mesmo algo coerente. Assim como coerente foi a declaração do Apedeuta a respeito da farra das passagens áreas no Congresso, de que não se tratava, afinal, de crime tão grave assim... Sabem como é: para quem tem um mensalão nas costas e já disse que caixa dois é algo "normal, porque todo mundo faz", alguns milhões de reais dos cofres públicos para levar a namorada para passear não é grande coisa mesmo.

Nas últimas semanas, um deputado causou furor ao dizer que se lixa para a opinião pública. Foi, com justiça, linchado pela imprensa. O governo Lula, o Itamaraty, estão se lixando para os direitos humanos. Estão cantando e andando para a democracia. E parece que ninguém está dando a mínima.


segunda-feira, maio 11, 2009

O MINISTRO MACONHEIRO


Mais um texto impecável do blog do Reinaldo Azevedo. Até pensei em escrever algo sobre o assunto, mas fico acanhado de fazê-lo quando me deparo com algo assim: um artigo preciso, claro, cortante como uma navalha bem afiada. RA não dá trégua aos petralhas e aos cultuadores da ilegalidade como suprema virtude revolucionária. Diante de uma paulada dessas, qualquer coisa que eu pudesse escrever seria supérflua.

Só um comentário breve, se me permitem. Há duas maneiras de encarar o crime: uma, é combatê-lo sem contemplação e defender a Lei como válida para todos; outra, é se render à prática ilegal, "descriminalizando-a". Quem defende a primeira é tido como careta e reacionário. Quem defende a segunda vira ministro de Estado do governo Lula.

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TIREM O COLETE DE MINC E LHE METAM UMA CAMISA-DE-FORÇA

O ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc, como sabem, foi à Marcha da Maconha. O homem é mesmo um revolucionário. Numa das ações armadas de que participou quando pertencia a um grupo terrorista, o mesmo de Dilma Rousseff, um inocente foi assassinado. O homem já treinava os dedos para mudar o mundo. Que coisa! Minc é ministro de Lula. A menos que seja ainda mais irresponsável do que dá a entender, foi à tal manifestação com autorização de seu chefe. Na prática, é como se o governo se mobilizasse contra uma lei que ele tem de fazer cumprir. E a presença de Minc na tal marcha se torna, então, um emblema do real comprometimento do governo com o combate às drogas.

Sua fala no evento não poderia ser mais clara: “A lei atual despenalizou, mas não descriminalizou. Ainda é crime [fumar maconha], e eu acho que nós deveríamos avançar". Como se vê, trata-se da fala de quem tem uma agenda, de quem sabe que é preciso caminhar aos poucos, mas “avançar” sempre. Hoje a maconha; depois, a cocaína; amanhã, sabe Deus. Botaremos todos os brasileiros na legalidade extinguindo as ilegalidades, entenderam? Corolário: se voltarmos ao estado da natureza, os crimes deixam de existir. Como já escrevi aqui, em vez de a sociedade corrigir os Marcolas, os Marcolas é que vão reeducar a sociedade.

Pouco me importa, já escrevi quinhentas vezes, o que cada um fuma, cheira ou injeta. Não tenho nada com isso. Ocorre que a droga, infelizmente, não é só uma mera questão de adesão ou não a um hábito ou vício.

Pensemos um pouco sobre a fala do “Coroa do Rio”, com aquela sua pinta de Tio Sukita do surf. O efeito da liberação total da maconha — descriminada, na prática, ela já está — no que respeita ao crime organizado seria ZERO. Para que houvesse alguma mudança nessa área, seria preciso descriminar todas as drogas, especialmente a cocaína. E o Brasil adotaria sozinho tal posição. O resto do mundo continuaria a reprimir as drogas. Passaríamos a ser um centro mundial de atração de cérebros derretidos. Como se não nos bastassem os nossos próprios idiotas — alguns deles no topo da República.

Esse ministro bocó deveria estudar um pouquinho, um pouquinho só, de lógica e de economia antes de disparar suas tolices. O que Minc acha que aconteceria com a mão-de-obra criminosa que hoje se dedica ao narcotráfico? Todos se converteriam em trabalhadores? Até o mais rematado dos imbecis, menos Minc, pode intuir o óbvio: ela migraria para outros crimes.

“Ah, te peguei, Reinaldo! Então você está dizendo que o narcotráfico é até uma solução?” Não! Estou afirmando que o governo não cumpre a sua parte na repressão ao tráfico de drogas e suas conseqüências, como o tráfico de armas. Elas chegam de barco em plena Baía da Guanabara! As fronteiras brasileiras são terra (e águas) de ninguém. E esse estado continuaria a ser omisso. A legalização das drogas, que levaria a uma explosão de consumo — com as suas previsíveis e óbvias conseqüências na saúde pública —, faria o país mergulhar no caos social. Acreditem: o estado necessário para cuidar dos efeitos da liberação teria de ser muito mais competente do que aquele que se encarrega — e mal — da repressão. Ou seja...

Alguns dos meus leitores devem fumar maconha. Outros podem se emocionar quando uma linha reta, de repente, dá uma entortadinha. Alguns talvez gostem do Bolero de Ravel. Tenho certeza de que há quem vá ao cinema e mande colocar aquela manteiga nauseabunda na pipoca — pelo amor de Deus, gente! Cinema é lugar de namorar, não de entupir as coronárias... O ser humano é variado, às vezes estranho. Digo, com Terêncio, que nada do que é humano me é estranho. Mas não imito Fernando Lugo, o garanhão de batina (levantada) do Paraguai. Não recorro a Terêncio para justificar minha falta de limites. Ao contrário: ele me serve como convite à tolerância com o Outro (o que não quer dizer, claro, condescendência com o vale-tudo). Pois bem: digamos que não haja nada de intrinsecamente mal na maconha (não é a opinião de um bom número de estudiosos) e que consumi-la possa ser igual a ouvir, como faz alguém em algum apartamento aqui das redondezas, o Bolero no último volume (a minha sorte é que há um bando de maritacas que mora entre o meu prédio e o prédio vizinho...).

Bem, se o mundo decidir proibir o Bolero ou a nauseabunda manteiga derretida na pipoca — sei que não contarei com essa graça, hehe... —, por mais que eu considere que seja mera questão de gosto e direito individual consumir ou não aquelas drogas, será preciso que eu reflita sobre as conseqüências de integrar a cadeia certamente criminosa que se vai formar para comercializar o Bolero e a manteiga. Por alguma razão, o Bolero e a manteira são liberados mundo afora, mas as drogas não. A questão não é de moral privada, mas de ética coletiva. Essa história de que “sou apenas o consumidor e não tenho culpa se a maconha é proibida” é típica do infantilismo ético do nosso tempo. Tem, sim. Ao fazer certas escolhas, amigão, você escolhe um mundo. O fato de haver pessoas nefastas que não consomem drogas e consumidores que podem ser gente boa não serve como critério para orientar políticas públicas.

IRRESPONSÁVEL. É isso o que Minc é. Ele é ministro de Estado. Se vai a uma marcha da maconha, leva a voz do governo. A música que embalou a passeata, como se noticiou, era a tal “Vou apertar, mas não vou acender agora”, toda ela feita de referências um tanto desairosas à Polícia — e, pois, ao estado —, em oposição à suposta esperteza da nata da malandragem. Nada mais patético do que ver os bacanas do Rio (ou de qualquer lugar) macaqueando a suposta linguagem dos pobres — pobres que, diga-se, não compareceram ao evento. Pais e mães de família dos morros e das periferias das grandes cidades detestam as drogas. Sabem que seus filhos, se vitimados pelo mal, terminam assassinados antes dos 20. Já os usuários de Copacabana, Ipanema ou Leblon terão vida longa. Podem consumir droga à vontade, que seu futuro está mais ou menos garantido. Os de mais sorte chegam a ministros de estado.

Imaginem se um comportamento como esse de Minc não viraria um escândalo político em qualquer democracia do mundo! Imaginem o que a oposição não faria... Por aqui, não vai acontecer nada. Ou melhor, vai: as drogas continuarão proibidas; a polícia continuará corrompida; o estado continuará omisso; 50 mil pessoas continuarão a ser assassinadas todo ano; os Mincs da vida continuarão a ir a marchas da maconha, e os marchadores da erva logo organizam uma outra marcha, aí pela paz. No sábado, dão dinheiro para os bandidos comprar rifles; no domingo, protestam contra o uso que eles fazem dos rifles que compraram. Entenderam?

Minc precisa trocar os seus coletes transadinhos por uma camisa-de-força. Pronto! Fumei um ministro inteiro. E não tou sentindo nada...