terça-feira, setembro 28, 2010

DE DILMAS E TIRIRICAS


O maior fenômeno das eleições brasileiras de 2010 é o palhaço Tiririca. Em uma propaganda que já se tornou um hit na internet, Tiririca - aliás, o cearense Francisco Everardo Oliveira Silva - aparece vestido como seu personagem, de peruca e dancinha, pedindo votos no horário eleitoral. Ele é candidato a deputado federal. Tiririca é incapaz de formular qualquer proposta, e confessa não saber o que faz um deputado federal. Não importa. "Pior do que tá não fica", é seu bordão. Segundo todas as pesquisas, Tiririca será eleito. A previsão é que cerca de 1 milhão de eleitores votarão no "abestado".

Muita gente dará o voto a Tiririca, ou sente alguma simpatia por sua candidatura, por seu caráter desbragadamente farsesco e escrachado, típico de circos do interior do Nordeste. Ainda mais numa campanha irritantemente sem graça, em que os debates entre os principais candidatos à Presidência causaram sono e em que se tentou até - cúmulo da palhaçada - proibir o humor, a presença de Tiririca é a garantia de algumas gargalhadas. O voto em Tiririca, assim como a eleição do rinoceronte Cacareco ou do Macaco Tião em eleições passadas, simbolizaria assim um "voto de protesto".


Aí é que está. Se você pretende desperdiçar seu voto dando-o ao candidato mais tosco e bizarro que houver na praça, o qual representaria o protesto contra "isso que está aí", é melhor escolher outro candidato. Não Tiririca.

Tiririca é o que os marqueteiros que criaram sua candidatura chamam, no jargão eleitoral, de puxador de votos - alguém famoso, geralmente vindo do mundo da televisão, que pela fama consegue arrecadar votos suficientes para eleger outros candidatos de sua legenda, que de outra forma dificilmente conseguiriam se eleger, geralmente por partidos pequenos e sem maior expressão. O partido, no caso de Tiririca, é o PR, Partido da República. O PR é um dos partidos que compõem a base alugada (perdão: aliada) do governo Lula. Em São Paulo, estado pelo qual Tiririca se lançou candidato a deputado federal, o PR integra a frente partidária encabeçada pelo PT do candidato a governador Aloízio Mercadante. Fazem parte da mesma frente também a ex-ministra Marta Suplicy e o pagodeiro Netinho de Paula, este último pelo PCdoB, Partido Comunista do Brasil, como candidatos ao Senado. Um dos lemas da campanha de Tiririca é "Cansado de quem trambica? Vote no Tiririca". Pois bem. Um dos que poderão ser eleitos com os votos de Tiririca é o ex-deputado federal e ex-presidente nacional do PR, Valdemar Costa Neto. Para quem não lembra, Costa Neto é um dos parlamentares envolvidos no escândalo do mensalão em 2005, quando teve de renunciar ao mandato para fugir à cassação. Outros que esperam beneficiar-se do voto no palhaço são os também mensaleiros José Genoíno (o dos dólares na cueca) e João Paulo Cunha. Agora, graças às piadas de Tiririca, essa turma da pesada poderá voltar ao Congresso Nacional. Não parece muito engraçado, não é? "Pior do que tá não fica". Ah fica, sim...


Dilma Rousseff é a candidata de Luiz Inácio Lula da Silva à Presidência da República. Até dois anos atrás, quase ninguém sabia quem era Dilma Rousseff. O principal trunfo de Dilma Rousseff para postular a cadeira presidencial - na verdade, o único - é ser amiga de Lula. Nos grotões do interior, ela é mais do que isso: é a "mulher de Lula", embora esse posto pertença, oficialmente, a Marisa Letícia. Em sua campanha, Dilma cola sua imagem a de Lula, e promete que, se eleita, irá governar conforme manda o mestre. Segundo as pesquisas, Dilma é a candidata com maiores chances de ser eleita presidente - ou "presidenta", em dilmês - nesse pleito.

Weslian Roriz é a candidata de seu marido, Joaquim Roriz, ao governo do Distrito Federal. Até alguns dias atrás, ninguém sabia quem era ela. Weslian lançou-se na campanha depois que seu esposo, com a candidatura impugnada pela Justiça Eleitoral - ele renunciou ao mandato de senador em 2007 para não ser cassado por corrupção -, resolveu deixar a disputa. Assim como Dilma, ela já deu mostras de incapacidade de raciocínio lógico, ou mesmo de construir uma frase com idéias minimamente coerentes. O principal trunfo eleitoral de Weslian Roriz é ser esposa de Joaquim Roriz. Em sua campanha, ela cola sua imagem a de Roriz, e promete que, se eleita, irá governar conforme manda o maridão. Segundo as pesquisas, Weslian tem grandes chances de ser eleita governadora do DF.


Comecei este texto falando de Tiririca. Por que, então, desandei a falar de Dilma Rousseff e de Weslian Roriz? Pelo seguinte: nesta eleição, o eleitor votará em Tiririca e irá eleger Valdemar Costa Neto. Por sua vez, os que votarem em Weslian Roriz irão eleger seu marido, Joaquim Roriz. Do mesmo modo, quem votar em Dilma Rousseff irá votar em Ze Dirceu e no PT. E em Lula.

Em outras palavras: Tiririca é a Dilma ou a Weslian de Valdemar Costa Neto. Ou ainda: Weslian Roriz é o Tiririca de Joaquim Roriz. E Dilma Rousseff é o Tiririca de Zé Dirceu.


Essa é mais uma herança da era Lula. O voto "by proxy". O voto-laranja.

Tiririca é um palhaço, e sabe que o é. Na falta de qualquer outra qualidade - inclusive, ao que tudo indica, as mais básicas, como saber ler e escrever - ele aposta no ridículo e no deboche para chegar à Câmara dos Deputados, onde já disse que, além de ajudar a propria família, não tem a menor idéia do que vai fazer. Já Dilma Rousseff se leva a sério, achando-se preparada para governar o Brasil. A diferença entre os dois é que Tiririca, pelo menos, é sincero.

Numa época de farsa institucionalizada, de deboche da democracia e de celebração oficial da ignorância, nada mais lógico do que Tiririca ser eleito deputado federal. Na era da mediocridade - ou seja, na era de Lula, Dilma e Weslian -, convenhamos, nada mais apropriado. Tiririca já pode pensar em vôos mais altos. Por que não a Presidência da República?

sábado, setembro 18, 2010

O BRASIL QUE PRESTA E O BRASIL QUE NÃO PRESTA


Existe o Brasil que presta. E existe o Brasil que não presta.

O Brasil que presta trabalha e produz, com o próprio esforço e pagando impostos. O Brasil que não presta quer apenas locupletar-se na máquina estatal.

O Brasil que presta respeita e defende a democracia, como um fim em si mesmo. O Brasil que não presta acha que ela só existe para beneficiar a própria grei, e usa os meios da democracia para destruí-la.

O Brasil que presta considera essencial a tolerância e a alternância democrática de poder. O Brasil que não presta não convive bem com a crítica, e apregoa a extirpação do adversário político.

O Brasil que presta defende a lei, o estado de direito e a meritocracia. O Brasil que não presta debocha da lei e promove o aparelhamento do Estado por uma multidão de apaniguados.

O Brasil que presta valoriza a liberdade de expressão e acredita que sem ela não há democracia. O Brasil que não presta usa a liberdade de imprensa quando na oposição, para, quando no governo, tentar impor a censura e o controle dos meios de comunicação.

O Brasil que presta acredita que o papel da imprensa é noticiar e fiscalizar. O Brasil que não presta acha que o papel da imprensa é tecer loas e bater palmas para o governo.
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O Brasil que presta acha intoleráveis mensalões, dossiês, aloprados e violações de sigilos fiscais. O Brasil que não presta transforma crime em "factóide" e procura desqualificar denúncias fundamentadas como "golpismo" e "pregação moralista".

O Brasil que presta considera a democracia e os direitos humanos valores universais. O Brasil que não presta se alia a tiranos e assassinos, criminalizando a dissidência.
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O Brasil que presta defende a não-intervenção como um princípio das relações internacionais. O Brasil que não presta intervém nos assuntos internos de outro país para tentar impor um golpista, apresentando-o como um democrata, e democratas como golpistas.
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O Brasil que presta considera o realismo essencial para a política externa. O Brasil que não presta quer fazer política de grande potência sem o ser, confundindo realismo com megalomania.

O Brasil que presta procura manter um mínimo de coerência. O Brasil que não presta se apropria das conquistas dos outros, que antes condenava, sem qualquer confissão ou arrependimento. E se alia a quem antes repudiava como o que há de pior na política, sem qualquer vergonha ou constrangimento.

O Brasil que presta repudia o coronelismo e o clientelismo. O Brasil que não presta vê como normal a compra de consciências por um prato de lentilhas.

O Brasil que presta considera o preparo e a capacidade intelectual fundamentais para um governante. O Brasil que não presta acha que o marketing compensa qualquer deficiência, usando e abusando da propaganda ufanista para tentar vender uma nulidade como uma estadista.

O Brasil que presta acha que o papel do presidente da República é governar. O Brasil que não presta acha que a função principal deste é fazer campanha para sua candidata, durante e após o expediente.

O Brasil que presta busca colocar-se acima das questões partidárias, separando-as dos assuntos de governo. O Brasil que não presta confunde propositalmente Estado e partido, transformando o primeiro num puxadinho do último.

O Brasil que presta acredita que todos são iguais perante a lei. O Brasil que não presta acha que alguns são mais iguais do que outros, dividindo a sociedade em raças e grupos distintos, estabelecendo o racismo por meios oficiais.

O Brasil que presta acredita que invadir e depredar propriedades é crime. O Brasil que não presta acha que impedir a invasão e depredação é "criminalizar movimentos sociais".

O Brasil que presta aprende com os erros do passado. O Brasil que não presta se recusa a admitir que um dia errou e tenta reescrever a História - e ainda lucrar financeiramente com isso, numa orgia de indenizações milionárias por escolhas políticas do passado.

O Brasil que presta tem programa de governo e um projeto de nação. O Brasil que não presta tem apenas um projeto de poder, visando eternizar-se nele.

O Brasil que presta defende mão firme contra o crime. O Brasil que não presta mantém relações com terroristas e narcotraficantes (e berra quando isso é mencionado).

O Brasil que presta acha que ninguém está acima da lei. O Brasil que não presta posa de messias e divide a sociedade em pessoas comuns e aliados políticos, para os quais tudo é permitido.

O Brasil que presta exige punição para corruptos e ladrões do dinheiro público. O Brasil que não presta diz ''não sei nada, não vi nada'' e ''fui traido'' - e bota a culpa na imprensa.

O Brasil que presta segue regras. O Brasil que não presta acha que tudo é válido, e que a única coisa proibida é perder as eleições e o poder.

O Brasil que presta quer apenas que o Estado não atrapalhe e o deixe em paz. O Brasil que não presta acha que o Estado deve controlar a vida do cidadão, e depende da máquina governamental para fazer bons negócios.

O Brasil que presta considera a honestidade um valor em si. O Brasil que não presta cultiva a ambigüidade moral e o relativismo para os seus.

O Brasil que presta desconfia das ideologias. O Brasil que não presta usa a ideologia sempre que lhe é conveniente, como uma forma de colocar os ricos contra os pobres (por exemplo, chamando denúncias de corrupção de "conspiração das elites").

O Brasil que presta tem vergonha até de fazer oposição ao governo (não deveria ter). O Brasil que não presta não tem limites, nem tem vergonha de nada. Só de perder o poder.

O Brasil que não presta usa a própria origem social como álibi para cometer falcatruas e para fugir da responsabilidade. O Brasil que presta acha que mais importante do que a origem pobre é ter vergonha na cara.

O Brasil que não presta se orgulha de não ter estudado quando pôde, e faz o culto da ignorância. O Brasil que presta acha que isso é um insulto aos pobres que estudam.

O Brasil que não presta acha pragmatismo e sabedoria querer que todos esqueçam o que disseram e fizeram no passado. O Brasil que presta acha que isso é oportunismo e sem-vergonhice.

O Brasil que não presta confunde bom governo com popularidade, e urna com tribunal. O Brasil que presta acredita que uma coisa não tem nada a ver com a outra.

O Brasil que não presta acha que o problema do Brasil é o ''excesso de liberdade'' da imprensa. O Brasil que presta acha que o problema do Pais é o excesso de liberdade do Brasil que não presta.

O Brasil que presta acha que democracia pressupõe a pluralidade e o contraditório. O Brasil que não presta acha que democracia deve ser uma competição entre semelhantes.

O Brasil que presta tem princípios. O Brasil que não presta só tem conveniências.

Se o Brasil fosse um país sério, e não uma terra de abestados e tiriricas, a parte que presta estaria no poder. E a que não presta estaria fora da política. Ou na cadeia.

Em alguns dias, os dois Brasis irão se enfrentar nas urnas. A julgar pelo que dizem as pesquisas, sairá vencedor o Brasil que não presta, o Brasil da mentira, do crime e da corrupção. É que este tem militantes. O outro Brasil, o Brasil que presta, tem, se tanto, eleitores.

quinta-feira, setembro 09, 2010

FERREIRA GULLAR: ENFIM, UM INTELECTUAL SEM VISEIRAS IDEOLÓGICAS


O grande Ferreira Gullar - poeta, maranhense, ex-comunista - escreveu um texto que merece ser lido, refletido e recitado em cada lar e em cada escola por cada brasileiro - isso se os brasileiros, em geral os que vivem de Bolsa-Esmola e que irão votar na "muié de Lula", soubessem ler. Desencantado, desiludido, melancólico, lúcido. Simples nas verdades óbvias - e, por isso mesmo, esquecidas - que diz. Necessário. Confiram.
***
Vamos errar de novo?

Ferreira Gullar

Faz muitos anos já que não pertenço a nenhum partido político, muito embora me preocupe todo o tempo com os problemas do país e, na medida do possível, procure contribuir para o entendimento do que ocorre. Em função disso, formulo opiniões sobre os políticos e os partidos, buscando sempre examinar os fatos com objetividade.

Minha história com o PT é indicativa desse esforço por ver as coisas objetivamente. Na época em que se discutia o nascimento desse novo partido, alguns companheiros do Partido Comunista opunham-se drasticamente à sua criação, enquanto eu argumentava a favor, por considerar positivo um novo partido de trabalhadores. Alegava eu que, se nós, comunas, não havíamos conseguido ganhar a adesão da classe operária, devíamos apoiar o novo partido que pretendia fazê-lo e, quem sabe, o conseguiria.

Lembro-me do entusiasmo de Mário Pedrosa por Lula, em quem via o renascer da luta proletária, paixão de sua juventude. Durante a campanha pela Frente Ampla, numa reunião no Teatro Casa Grande, pela primeira vez pude ver e ouvir Lula discursar.

Não gostei muito do tom raivoso do seu discurso e, especialmente, por ter acusado “essa gente de Ipanema” de dar força à ditadura militar, quando os organizadores daquela manifestação ─ como grande parte da intelectualidade que lutava contra o regime militar ─ ou moravam em Ipanema ou frequentavam sua praia e seus bares. Pouco depois, o torneiro mecânico do ABC passou a namorar uma jovem senhora da alta burguesia carioca.

Não foi isso, porém, que me fez mudar de opinião sobre o PT, mas o que veio depois: negar-se a assinar a Constituição de 1988, opor-se ferozmente a todos os governos que se seguiram ao fim da ditadura ─ o de Sarney, o de Collor, o de Itamar, o de FHC. Os poucos petistas que votaram pela eleição de Tancredo foram punidos. Erundina, por ter aceito o convite de Itamar para integrar seu ministério, foi expulsa.

Durante o governo FHC, a coisa se tornou ainda pior: Lula denunciou o Plano Real como uma mera jogada eleitoreira e orientou seu partido para votar contra todas as propostas que introduziam importantes mudanças na vida do país. Os petistas votaram contra a Lei de Responsabilidade Fiscal e, ao perderem no Congresso, entraram com uma ação no Supremo a fim de anulá-la. As privatizações foram satanizadas, inclusive a da Telefônica, graças à qual hoje todo cidadão brasileiro possui telefone. E tudo isso em nome de um esquerdismo vazio e ultrapassado, já que programa de governo o PT nunca teve.

Ao chegar à presidência da República, Lula adotou os programas contra os quais batalhara anos a fio. Não obstante, para espanto meu e de muita gente, conquistou enorme popularidade e, agora, ameaça eleger para governar o país uma senhora, até bem pouco desconhecida de todos, que nada realizou ao longo de sua obscura carreira política.

No polo oposto da disputa está José Serra, homem público, de todos conhecido por seu desempenho ao longo das décadas e por capacidade realizadora comprovada. Enquanto ele apresenta ao eleitor uma ampla lista de realizações indiscutivelmente importantes, no plano da educação, da saúde, da ampliação dos direitos do trabalhador e da cidadania, Dilma nada tem a mostrar, uma vez que sua candidatura é tão simplesmente uma invenção do presidente Lula, que a tirou da cartola, como ilusionista de circo que sabe muito bem enganar a plateia.

A possibilidade da eleição dela é bastante preocupante, porque seria a vitória da demagogia e da farsa sobre a competência e a dedicação à coisa pública. Foi Serra quem introduziu no Brasil o medicamento genérico; tornou amplo e efetivo o tratamento das pessoas contaminadas pelo vírus da Aids, o que lhe valeu o reconhecimento internacional. Suas realizações, como prefeito e governador, são provas de indiscutível competência. E Dilma, o que a habilita a exercer a Presidência da República? Nada, a não ser a palavra de Lula, que, por razões óbvias, não merece crédito.

O povo nem sempre acerta. Por duas vezes, o Brasil elegeu presidentes surgidos do nada ─ Jânio e Collor. O resultado foi desastroso. Acha que vale a pena correr de novo esse risco?

terça-feira, setembro 07, 2010

O REI DO DEBOCHE


Estou longe do Brasil, o que não me impede, graças à internet, de acompanhar o circo político nacional. A última, como todos sabem, foi a violação do sigilo bancário de pessoas da oposição, entre eles a filha de José Serra, pela quadrilha petista que se encastelou no poder e tratou de transformar o Estado brasileiro num comitê do partido ou num sindicato. Lula parece ter aprendido com seu ex-agressor e novo amigo de infância, Fernando Collor (ou terá sido este o aluno?), como transformar a ofensa familiar, o mais baixo dos golpes, em arma eleitoral.

É mais um dos 3.696 escândalos da Era Lula, esse período que será lembrado pelas gerações futuras como o ponto mais baixo a que já chegou a moral e a vergonha na cara na História do Brasil. E em que nunca tantos se acorvadaram tanto, em troca de tão pouco.

Segue o excelente editorial do Estado de S. Paulo, de hoje, 7/09. É minha maneira de não deixar o tema passar em branco e, de quebra, homenagear o Dia da Independência, antes que Lula e sua corja o substituam pela data de nascimento do messias de Caetés.

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A POLÍTICA DO DEBOCHE

Quanto mais se acumulam as evidências de que o PT é o mentor do crime continuado da devassa na Receita Federal, de dados sigilosos de aliados e familiares do candidato presidencial do PSDB, José Serra, tanto mais o presidente Lula apela para o escárnio. É assim, desenvolto diante da exposição das novas baixezas de sua gente, que ele procura desqualificar as denúncias de que as violações tinham a única serventia de reunir material que pudesse ser utilizado contra os adversários da candidata governista, Dilma Rousseff.

Do mensalão para cá, essa atitude só se acentuou. No escândalo da compra de votos no Congresso Nacional, em 2005, ele ficou batendo na tecla de que não sabia de nada e que, de mais a mais, o que a companheirada tinha aprontado - diluído na versão de que tudo se resumia a um caso de montagem de caixa 2 - era o que se fazia comumente na política brasileira. Depois, propagou e mandou propagar a confortável teoria de que as acusações eram parte de uma "conspiração das elites" para apeá-lo do poder. Mas não chegou a zombar acintosamente das revelações que iriam ficar gravadas na história de seu partido.

Já no ano seguinte, quando a polícia detonou a tentativa de um grupo de petistas, entre eles o churrasqueiro preferido de Lula, de comprar um falso dossiê contra o mesmo José Serra, então candidato a governador de São Paulo, o presidente incorporou ao léxico político nacional o termo "aloprados" com que, para mascarar a gravidade do episódio, se referiu aos participantes da torpeza. Agora, enquanto escondia a sua escolhida - acusada pelo tucano como responsável, em última instância, pela fabricação de novo dossiê com os documentos subtraídos do Fisco -, o presidente se abandonou ao cinismo.

No fim da semana, em um comício em Guarulhos, na Grande São Paulo, a que Dilma não compareceu, ele acusou Serra de transformar a família em vítima. Ou seja, o que vitimou a filha do candidato não foi a comprovada captura de suas declarações de renda por um personagem do submundo - cuja filiação ao PT só não se consumou por um erro de grafia de seu nome -, mas o "baixo nível" da campanha do pai, que tratou do escândalo no horário de propaganda eleitoral. E ele o teria feito porque "o bicho está em uma raiva só" diante dos resultados desfavoráveis das pesquisas eleitorais. "É próprio de quem não sabe nadar e se debate até morrer afogado", desdenhou.

O auge da avacalhação - para usar uma palavra decerto ao gosto do palanqueiro Lula - foi ele perguntar retoricamente: "Cadê esse tal de sigilo que não apareceu até agora? Cadê os vazamentos?" Se é da filha de Serra que ele falava, o sigilo vazou para os diversos blogs lulistas que publicaram informações a seu respeito que só poderiam ter sido obtidas a partir do acesso ilícito aos seus dados fiscais. E o presidente sabe disso desde janeiro, quando o ainda governador Serra o alertou para a "armação" contra seus familiares na internet. Confrontado com o fato, Lula disse, sem ruborizar-se, ter coisas mais sérias para cuidar do que das "dores de cotovelo do Serra".

Se, no comício, a sua pergunta farsesca tratava das outras pessoas ligadas ao candidato, como, em especial, o vice-presidente do PSDB, Eduardo Jorge Caldas Pereira, o sigilo vazou para membros do chamado "grupo de inteligência" da candidatura Dilma. No caso de Eduardo Jorge, aliás, a invasão não se limitou à delegacia da Receita em Mauá, no ABC paulista, a primeira cena identificada do crime. Na última quinta-feira, o Estado revelou que um analista tributário lotado na cidade mineira de Formiga, Gilberto Souza Amarante, acessou dez vezes em um mesmo dia os dados cadastrais do tucano. O funcionário é petista de carteirinha desde 2001.

Ninguém mais do que Lula, com o seu imitigado deboche, há de ter contribuído tanto para a "maria-mole moral" em que o País atolou, na apropriada expressão do jurista Carlos Ari Sundfeld, em entrevista no Estado de domingo. Nem a bonança econômica nem os avanços sociais podem obscurecer o perverso legado do lulismo. Por minar os fundamentos das instituições democráticas, essa é hoje a mais desafiadora questão política nacional.

quarta-feira, setembro 01, 2010

DIÁLOGO SOBRE O ABSURDO


Um marciano desembarca no Planeta Terra e cai direto no Brasil. Por interesse antropológico, ele resolve se inteirar da vida política local. Ele descobre que existe uma coisa chamada eleições. Pergunta, então, a um gentil terráqueo sobre os candidatos. Segue o diálogo:

- Percebi que a candidatura governista bebe no sucesso econômico do atual governo. Nesse sentido, acusa o principal oponente de, se eleito, colocar em risco as conquistas dos últimos anos. Pelo visto a estabilidade da economia sempre foi defendida pelos que hoje estão no poder...

- Não é bem assim. A estabilidade econômica foi uma herança do governo anterior.

- Mas a candidata do governo diz que foi uma conquista do atual presidente, que é seu patrono político... Inclusive vi a campanha dela outro dia, dizia que antes o país vivia o caos, que estava à beira da falência, e que foram eles, que hoje estão no governo, que botaram ordem na casa, possibilitando a milhões de pessoas melhorarem de vida. Não foi assim?

- Não foi, não. Na verdade, o partido da candidata oficial foi contra as medidas de estabilização da economia. Diziam que era um "estelionato eleitoral"...

- Você está dizendo que o partido da candidata oficial foi contra as medidas que colocaram a economia em ordem quando foram implementadas, mas depois se apropriou delas e agora se diz seu maior defensor?

- Sim. Foi isso mesmo.

- Bem, parece um típico caso de conversão. Nesse caso, é claro que eles se desculparam pela oposição do passado, não?

- Não. Não se desculparam.

- Nem se arrependeram?

- Não. Também não se arrependeram.

- Então os que estão hoje no poder simplesmente se apropriaram do que antes condenavam, sem confissão nem arrependimento, e agora se apresentam como os garantidores da estabilidade econômica?

- Isso mesmo. Você definiu perfeitamente.

- Que estranho... Isso é, no mínimo, falta de honestidade. Isso sim, é o que se pode chamar de estelionato. Mas entendo, porque o candidato adversário deve ser mesmo um perigo para as conquistas econômicas, que o governo herdou do antecessor...

- Nada disso. O candidato adversário é do partido do presidente que antecedeu o atual, o mesmo que implementou as reformas. Inclusive, ele fez parte daquele governo, foi ministro...

- Espere aí. Você está me dizendo que a candidata do governo atual está acusando seu principal adversário de ser uma ameaça à continuidade da política econômica, quando ele fez parte do governo que implementou essas conquistas, enquanto o partido dela foi contra? É isso mesmo?

- Exatamente.

- Nesse caso, a população deve ter percebido que está sendo vítima de uma farsa grotesca, uma verdadeira empulhação, e deve estar muito zangado com ela...

- Pelo contrário! Ela está em primeiro lugar nas pesquisas, pode vencer até no primeiro turno.

- Mas ela não é a candidata do governo? E o presidente atual não é aquele que sequestrou as conquistas do seu antecessor, apenas colhendo os frutos do que outros fizeram? Imagino que ele deva ser muito impopular...

- Aí é que você se engana. Ele tem quase 90% de popularidade, segundo os institutos de pesquisa.

- Mas estive em outros países, aqueles que vocês chamam de desenvolvidos, e lá quem fizesse isso seria execrado como um farsante, e não louvado!

- Sim, mas aqui é o Brasil...

- Mas vocês não são todos uma mesma espécie?

- Sim, somos, mas...

- A lógica não é a mesma para todos os seres humanos?

- É, mas...

- Das duas uma: ou vocês, brasileiros, são muito estúpidos ou pertencem a uma outra espécie, diferente dos demais terráqueos. Pelo que você me disse, a noção de honestidade que vocês têm não é a mesma da do restante da humanidade.
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Bom, mas pelo menos o líder de vocês, pelo que diz a propaganda oficial, é um estadista global, comprometido com as melhores causas da humanidade, a política externa é um sucesso, o País é finalmente respeitado no exterior...

- (interrompendo) Er... Na verdade, também não é bem assim...

O marciano já se preparava para fazer outra pergunta, mas desistiu. Sem resposta, o gentil cidadão que se prontificou a explicar o Brasil ao visitante alienígena se calou, coberto de vergonha. Enquanto isso, o marciano coçava as antenas, intrigado diante do que julgou ser um mistério sem solução. Em todas as galáxias que visitara, jamais presenciou uma situação tão insólita. Voltando à sua nave, simplesmente desistiu de tentar compreender, cheio de piedade por uma espécie tão primitiva.

Leitores ajudam este escriba a se atualizar: Lula não quer que iraniana seja apedrejada - quer que ela pare de "causar problemas". Ah, bom,,,


"- Cumpanhêro Arrmadinejádi, aquela muié inda tá te causânu pobrêma?"
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Alguém (ou "alguéns") que assina como "Casal 20" me escreve sobre meu texto "Lula. Ou: a avacalhação dos direitos humanos", que trata do caso daquela mulher iraniana condenada a morrer apedrejada (ou enforcada) no Irã pelo terrível crime de botar chifres na cabeça do marido. Segue o comentário, e minha resposta a ele:

Esta desatualizado. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva disse que o Brasil poderia conceder asilo à mulher condenada se ela “estivesse causando problemas no Irã”. Inicialmente, Lula recusou pedidos de defensores de direitos humanos para usar sua relação cordial com o presidente iraniano Mahmoud Ahmadinejad para influenciar o processo, mas aparentemente mudou de ideia durante um comício de apoio a uma mulher - sua candidata à Presidência, Dilma Rousseff.

Comento o comentário
A informação foi atualizada em texto meu posterior. Mas aproveito para fazer uma pilhéria.

Ah, bom! Então Lula, que inicialmente recusou os apelos em favor da vida da iraniana aparentemente "mudou de idéia" em um comício e resolveu oferecer asilo à mulher condenada que estava "causando problemas no Irã"? Que grande humanista! Estou aliviado...

Deixe-me ver se entendi a coisa direito: Lula - ou "o presidente Lula", como respeitosamente escreve(m) o(s) autor(es) do comentário -, que de início tratou o assunto como trata a questão dos presos políticos em Cuba (ou seja: como tudo, menos um problema da humanidade), muda de idéia após o clamor internacional em favor da vida de um ser humano, e somente - notem bem: somente - porque sua candidata é mulher e para que a mulher condenada "não causasse problemas" à tirania teocrática do companheiro Ahmadinejad (ou "o presidente Ahmadinejad"). E ainda há quem o considere um humanista e um defensor dos direitos humanos?

Para ficar mais claro: Lula oferece asilo a uma mulher condenada a uma morte bárbara por um motivo frívolo, nas mãos de um regime criminoso e obscurantista, e só o faz como um favor a esse mesmo regime tirânico, para que ela, a mulher condenada, deixe de "causar problemas" a essa mesma tirania... Como se fosse ela, a mulher condenada, e não a teocracia iraniana, com suas leis absurdas, a criadora de caso! Como se fosse ela, a mulher condenada, e não o regime iraniano, quem estivesse causando problemas! E ainda por cima ele, Lula, é esnobado por Ahmadinejad, que o chama de desinformado. E ainda há quem considere ele, Lula, um líder respeitável?

Agora posso dormir tranquilo. Parece mesmo um verdadeiro humanista e um líder muito influente quem nos governa...