quinta-feira, abril 19, 2012

DEZ FALÁCIAS SOBRE A LEI DE ANISTIA (E POR QUE NÃO SE DEVE REVOGÁ-LA)

Cartaz da campanha pela Anistia, final dos anos 70: antes eles queriam anistia ampla, geral e irrestrita; agora, acham que a anistia foi ampla demais...


Seguem dez falácias frequentemente repetidas por aqueles que querem a revogação da Lei de anistia (Lei 6.683, de 28/08/1979), e por que revogá-la seria uma tragédia para o Brasil.  Refute quem puder.

1. "A Anistia foi imposta pelos militares para garantir a impunidade."

FALSO. A Anistia foi uma conquista da sociedade. Revogá-la atiraria o Brasil numa crise jurídico-institucional de proporções inimagináveis. A Anistia foi o resultado de uma ampla negociação política, que incluiu, sim, o interesse dos membros dos serviços de repressão político-militar de que seus crimes permanecessem impunes, mas que envolveu, também, vastos setores da sociedade civil que começava a se rearticular no Brasil com o processo de abertura políitica no final dos anos 70. A esquerda, principalmente, teve um papel ativo, dentro e fora do país, na campanha pela "anistia ampla, geral e irrestrita", quando a censura e a legislação de exceção já davam sinais de que estavam prestes a acabar (o AI-5 foi extinto no final de 1978). O que resultou daí foi um acordo, a princípio imperfeito, mas um acordo assim mesmo. Não foi, de maneira alguma, algo "imposto" - até porque seria ilógico impor ao inimigo o perdão dos crimes por ele cometidos.

Assim como foi negociada, e não extorquida, a Anistia não pode ser revogada sob a alegação de que o regime em que ela foi implantada era ilegítimo, o que dela também retiraria, portanto, a legitimidade. Nesse caso, todas as leis produzidas desde 1964 deveriam ser abolidas, pois também seriam ilegítimas. Isso incluiria a legislação que criou o Banco Central, o BNH, o FGTS etc. Do mesmo modo, todas as obras construídas pelos militares, como a Ponte Rio-Niterói e a hidrelétrica de Itaipu, teriam de ser implodidas, a EMBRAER fechada e assim por diante... 

Do mesmo modo, é preciso ter em mente que a Anistia não teve nada a ver com "justiça", sendo, na realidade, uma construção política, um pacto político. Tratou-se de garantir a pacificação nacional por meio da extinção dos crimes, ou seja, do  perdão (e não - note-se - absolvição e esquecimento), como o preço a ser pago pela redemocratização. Se a Anistia garantiu a impunidade, foi, portanto, dos dois lados. Exatamente como ocorrera em anistias anteriores, como a de 1945, que extinguiu os crimes cometidos pela ditadura do Estado Novo varguista, pelos comunistas e pelos integralistas. Foi exatamente para permitir o retorno da democracia e o fim do estado de exceção que a Anistia foi concebida.

Há também uma questão jurídica: a Lei da Anistia foi incorporada à Constituição Federal de 1988 (Artigo 8º do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias), não podendo ser revogada sem que se revogue, também, a Carta Magna. Isso criaria, obviamente, uma situação de caos jurídico, com o risco de um retrocesso autoritário. Além do mais, em 2010 o STF decidiu, por 7 votos contra 2, rejeitar a iniciativa de revogação da Anistia para punir os militares acusados de tortura e assassinatos. Os juízes entenderam que a Anistia foi ampla e que os crimes foram perdoados. Ao que parece, os revanchistas, que lutaram por uma anistia ampla, agora acham que ela foi "ampla demais". Daí porque querem revogá-la.

2. "A Lei de Anistia não perdoou crimes de sangue; portanto, não foi ampla" 

FALSO. A Anistia só não perdoou, num primeiro momento, aqueles que já tinham sido condenados, em 1979, por crimes de sangue. Os que praticaram tais crimes, como atentados e assassinatos, mas que não haviam sido até então julgados e sentenciados pela Justiça tiveram seus crimes de imediato extintos. Como diz a lei, no Artigo 1º: "§ 2º - Excetuam-se dos benefícios da anistia os que foram condenados pela prática de crimes de terrorismo, assalto, seqüestro e atentado pessoal." O objetivo era impedir que tais condenações se repetissem. Mesmo assim, a legislação posterior estendeu o benefício da anistia a TODOS os que tinham cometido crimes políticos ou conexos. Dificilmente se encontrará, na História, exemplo de anistia tão ampla quanto a brasileira, que perdoou a todos indistintamente, em nome da reconciliação nacional.

3. "Tortura é crime contra a humanidade, logo imprescritível"

EM TERMOS. Esse argumento tem sido repetido com base na legislação internacional, que condena a tortura. A questão é saber se essa legislação pode sobrepor-se à lei nacional. Não pode. Além do mais, o terrorismo também é considerado crime contra a humanidade. 

Outro argumento constantemente brandido pelos advogados da revogação da Lei de Anistia é o do chamado "crime continuado", aplicado no caso dos "desaparecidos". Nesse caso, o crime perduraria, já que os corpos não foram encontrados - o sequestro só se encerra quando a vítima é libertada. Aparentemente lógico, tal argumento é também falacioso, pois quem o utiliza parece se esquecer que os desaparecidos já foram reconhecidos oficialmente como mortos (Lei 9.140, de 4/12/1995): suas famílias receberam certidões de óbito e indenizações do Estado. Desde então, não há mais desaparecidos políticos no Brasil - exceção dos que a esquerda mantém no armário.

Trata-se, portanto, de um princípio sem qualquer valor normativo: segundo a Constituição, a lei não pode retroagir, a não ser para beneficiar o réu ("Artigo 5º, XL- A Lei não retroagirá, salvo para beneficiar o réu.")
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4. "Os que lutaram contra a ditadura foram punidos; os torturadores, não". 

FALSO. Nem todos os que se opuseram, com armas ou não, ao regime de 64 foram presos ou torturados. Vários escaparam à prisão e um número maior jamais conheceu a tortura. O último comandante militar da Ação Libertadora Nacional (ALN), um dos grupos terroristas mais violentos, Carlos Eugênio Paz, jamais foi preso. E é apenas um exemplo.
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Além disso, os punidos pelo regime militar foram indenizados - muitos, aliás, por motivos completamente absurdos. O ex-presidente Lula, por exemplo, recebe 6 mil reais mensais de indenização por ter ficado preso por algumas semanas, em 1980, por causa de uma greve ilegal. A presidente Dilma Rousseff foi contemplada com 70 mil reais por mês por sua participação em três organizações guerrilheiras de extrema-esquerda. Diógenes de Oliveira, responsável por atentados como a explosão do carro-bomba em que morreu o soldado Mário Kozel Filho em São Paulo em 1968, foi indenizado em mais de 400 mil reais, enquanto Orlando Lovechio Junior, que perdeu a perna num atentado à bomba do qual Diógenes participou, sobrevive com uma pensão por invalidez de 570 reais mensais. No total, as indenizações já somam cerca de 4 bilhões de reais. Nenhum centavo para as vítimas da luta armada.  Daí a frase do saudoso Millôr Fernandes: "não era ideologia; era um investimento".

Quanto aos militares, a maioria deles já se encontra em idade avançada, muitos são octogenários, sem qualquer influência na vida política nacional. Ao contrário de muitos remanescentes da luta armada de esquerda, que hoje ocupam altos cargos na administração pública - a começar pela Presidência da República.

5. "Brasil pode ser condenado pela ONU, OEA etc."

FALSO. Nenhuma organização internacional tem jurisdição para condenar quem quer que seja no Brasil. A ONU, a OEA ou a CIDH podem estabelecer princípios gerais, declarações etc. sobre tortura e outros delitos, mas não impor-se à lei brasileira (no caso, a de Anistia). Portanto, a menos que o país aceite essas deliberações, estas não têm valor normativo. Ademais, sendo organizações interestatais, tais organismos enxergam somente os delitos cometidos pelo Estado, ficando de fora, no caso, o terrorismo de esquerda. O soldado que der um tapa na cara de um preso será acusado de violar os direitos humanos pela ONU ou pela OEA; já o terrorista não-estatal que explodir um quartel ou um avião, não.

6. "Crimes contra a humanidade são apenas os praticados pelo Estado"

FALSO. Outra falácia repetida à exaustão pelos inimigos da Anistia. Não leva em conta o fato de que terrorismo também é considerado crime contra a humanidade, independentemente de quem o pratique. Além do mais, tal argumento é um tiro no pé para a esquerda, pois os terroristas brasileiros estavam também a serviço do Estado - no caso, não do Estado brasileiro, mas de Estados estrangeiros, como Cuba e China. Militantes esquerdistas brasileiros receberam dinheiro, armas e treinamento militar dos regimes cubano, chinês e norte-coreano, entre outros, para derrubar o regime militar brasileiro. Agiram, assim, como agentes de fato desses Estados. Seus crimes, portanto, também podem ser enquadrados na categoria de terrorismo de Estado.    

7. "Os guerrilheiros lutaram pela democracia"

TOTALMENTE FALSO. De todas as mentiras entoadas como um mantra pela propaganda esquerdista, esta é certamente a mais fácil de ser refutada. A luta armada da extrema-esquerda não teve nada de democrática, como demonstram de forma cristalina os documentos das organizações clandestinas da época, nenhum dos quais fala em democracia, mas em instaurar uma forma de ditadura socialista. Leiam a coletânea organizada por Daniel Aarão Reis Filho e Jair Ferreira de Sá, Imagens da Revolução: documentos das organizações clandestinas de esquerda dos anos 1961/1971 (Rio de Janeiro: Marco Zero, 1985) para constatarem. A restauração das liberdades democráticas simplesmente não estava nos planos dos grupos terroristas - e muito menos, como virou moda afirmar em certos círculos, constituiu um "resultado não-intencional" da ação destes.
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Além disso, o terrorismo de esquerda no Brasil tem início antes do AI-5 - o atentado à bomba no aeroporto dos Guararapes ocorre em 25/07/1966, dois anos antes do fechamento do regime. Como mostram diversos historiadores, o projeto da luta armada é anterior a 1964. Não por acaso, a Lei de Anistia contempla crimes políticos e conexos cometidos entre 1961 e 1964, o que beneficiou quase exclusivamente a esquerda.

8. "Em outros países, como Argentina e Chile, os militares foram condenados e estão cumprindo pena; por que o mesmo não ocorre no Brasil?"

Não há relação entre o que ocorreu no Brasil e nos países vizinhos. Além de se tratar de casos específicos, cada qual com suas particularidades, na Argentina, Chile e Uruguai não só torturadores militares foram presos e sentenciados à prisão: os terroristas de esquerda também o foram. Na Argentina, em 1990 Carlos Menem indultou os dois lados, decisão que foi revertida anos depois. No Chile, o chefe da DINA, o serviço secreto, general Manuel Contreras, foi preso e condenado por pressão dos EUA devido ao assassinato do ex-chanceler Orlando Letelier nas ruas de Washington, em 1976. Mesmo assim, terroristas de esquerda, como os membros do MIR, permanecem presos e cumprem sentença. Um exemplo é Mauricio Hernández Norambuena, condenado por crimes como o sequestro do publicitário Washington Olivetto em São Paulo. Não há como comparar as situações nesses países com o ocorrido no Brasil, até porque a intensidade da repressão em cada país foi bastante diferente - 30 mil mortos na Argentina, 424 no Brasil.

9. "A Comissão da Verdade só tratará dos crimes cometidos por agentes do Estado"

FALSO. A própria lei que criou a comissão - Lei 12.528, de 18/11/2011 - não faz qualquer referência a isso: fala apenas em "examinar e esclarecer as graves violações de direitos humanos", mas não diz quem as cometeu. A mesma lei, em seu Artigo 2, § 1o, II, afirma que não poderão participar  da comissão aqueles que "não tenham condições de atuar com imparcialidade". Portanto, a "Comissão da Verdade", para ser imparcial, também precisa investigar os crimes cometidos pela esquerda. Além do mais, a lei, em  seu Artigo 3, VIII, § 4o, é clara: "As atividades da Comissão Nacional da Verdade não terão caráter jurisdicional ou persecutório." 

10. "É preciso defender o direito à memória e à verdade" 

VERDADEIRO, MAS HÁ UM DETALHE: o direito à memória e à verdade deve ser defendido em sua integridade, e não pela metade. Em outras palavras: é preciso apurar os crimes dos dois lados, e não somente os dos militares. Do contrário, a comissão vai virar uma omissão da verdade. 

Com relação aos chamados "arquivos da ditadura", por exemplo, é preciso perguntar: só os da ditadura? E quanto aos da esquerda armada? 

Enfim, a Anistia foi o pontapé inicial do processo de redemocratização no Brasil, significando, na prática, o fim da ditadura militar iniciada em 1964.  Lançou as bases jurídicas e políticas para o retorno do estado de direito democrático, que no Brasil ocorreu de forma muito mais tranqüila do que nos demais países da América do Sul que passaram por experiências de regimes militares nos últimos 50 anos.  Certamente não foi algo perfeito, mas foi o melhor que se pôde alcançar, e infinitamente superior ao verificado em países que os membros de organizações de esquerda, muitos dos quais estão hoje no poder, desejavam emular.

Países como Cuba, China e URSS, em que os prisioneiros do regime comunista jamais foram anistiados, e onde (com exceção da URSS e de seus satélites do Leste Europeu, além de outros africanos e asiáticos) a ditadura não faz parte do passado, ao contrário do regime de 64.

Somente o motivo acima já é suficiente para não desejar que a roda da História volte no tempo. Revogar a Lei de Anistia seria um retrocesso, que não teria nada a ver com justiça, mas com revanchismo. E revanchismo não tem nada a ver com verdade, mas com vendetta e acobertamento.  

Um comentário:

Augusto disse...

Tanto esquerda como direita, revolucionários como militares, que cometeram crimes na época da ditadura devem ser punidos pela lei. A anistia é absurda em ambos os casos.